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sábado, 24 de maio de 2025

Sobre ser “primeira-dama”

 Os ataques sistemáticos por setores da direita e da esquerda e pela imprensa direcionados à Janja, esposa do presidente Lula, trazem à reflexão sobre o papel das primeiras-damas e seu significado.

O “primeiro-damismo” na forma configurada como a mulher do político presidente, governador ou prefeito assumiu ao longo da república brasileira o papel de assistencialismo, voltado para obras de caridade e filantropia. Não há consenso sobre esse papel, que não é remunerado e nem considerado cargo político. Destaca-se que o movimento feminista desde os seus primórdios questiona o papel da primeira-dama como um “apêndice” do político eleito.

Algumas primeiras-damas se destacaram no Brasil, por serem silenciosas como a antropóloga e professora universitária Ruth Cardoso (esposa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), outras por serem consideradas muito bonitas e elegantes como Maria Thereza Goulart (esposa do ex-presidente João Goulart), outras por mesclarem assistencialismo com a política como Darcy Vargas (esposa do ex-presidente Getúlio Vargas).

Percebe-se que no caso dos homens maridos, cuja expressão é primeiro-cavalheiro, chamado jocosamente de “primeiro-damo”, não há questionamentos sobre sua postura ou posicionamento político.

O primeiro-damismo é tão latente na sociedade brasileira, que na campanha pra presidente de 2018 em que concorreram Haddad e Bolsonaro, circularam fotos das suas esposas, por parte dos adeptos do segundo, perguntado qual delas ficaria melhor como a primeira dama. Michele (dona de casa) aparecia na foto maquiada enquanto Ana Estela Haddad (professora e dentista) surgia numa foto abatida e sem maquiagem.

No entanto, as primeiras damas, normalmente, seguem a linha política adotada por seus maridos. Assim foi na política de desmonte das políticas públicas para mulheres, instaurada pelos governos pós golpe impetrado contra a presidente Dilma Roussef, quando as primeiras damas (Marcela Temer, esposa do ex-presidente Michel Temer e Michele Bolsonaro, esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro) se colocaram no papel de esposas recatadas, do lar e cuidadoras de seus maridos. No caso da última, seu papel foi além ao se inserir na política buscando protagonismo para se candidatar no futuro, cuja atuação e interferência política é amplamente aceita por seus partidários.

No entanto, a mesma aceitação não acontece com a atual primeira-dama, Rosangela da Silva, a Janja. Socióloga, com mestrado e uma carreira consolidada na qual se aposentou por tempo de serviço, Janja tem sofrido ataques constantes, não apenas de seus opositores da extrema-direita bem como de setores da esquerda, da extrema esquerda e da direita e da imprensa.

Desde que assumiu, Janja em consonância com os tempos atuais e sempre engajada nas lutas sociais, declarou que iria continuar participando ativamente da vida política do país. Assim, não se exime de cobrar e apoiar políticas públicas para mulheres, o combate à homofobia, o combate ao racismo e a defesa das crianças e adolescentes, dentre outras.

Piadas constantes a respeito de Janja ecoam a todo momento, desabonadoras desde o conteúdo de suas falas até as roupas utilizadas por ela,  marcam as redes digitais, nesse tempo de divulgação instantânea de mensagens e de fake news. Até comparações entre ela e Marisa Letícia (esposa falecida do Presidente Lula) surgiram ressaltando a discrição da Marisa, sem considerar que são mulheres com perfis, formações e gerações distintas. As duas atuam e atuaram na história do seu partido político, o PT, ambas no apoio ao presidente Lula, cada uma com seu estilo.

Da mesma forma, que não se pode comparar uma primeira-dama dos anos 1940, numa década de outra conjuntura social com uma primeira-dama da terceira década do século XXI, na qual as mulheres ocupam cargos de poder e chegaram à presidência do Brasil.

Tanto Janja como Michele, concordando ou discordando delas, estão exercendo seus direitos de serem protagonistas de suas histórias. Incorporadas que estão no espírito contemporâneo de empoderamento feminino, as duas traçam suas trajetórias.

Infelizmente, Michele, mesmo usando o espaço político de voz feminina e de poder, incentiva a reprodução do estereótipo “submissa, recatada e do lar”, mesmo que isso não seja condizente com sua postura de atuação na defesa dos interesses de seu partido (PL) e de sua família, viajando para diversos locais, inclusive ao exterior, desacompanhada. Fica a impressão que ela não é autêntica, e apenas exerce um figurino que lhe foi dado para conquistar e firmar o seu eleitorado, com lágrimas e palavras fáceis.

Janja, por sua vez, ao ser autêntica, não usar subterfúgios e nem meias palavras, mexe com aquilo que há de pior na política brasileira, o machismo, enraizado e travestido de violência política de gênero, que surge quando uma mulher começa a ser destaque, seja como eleita, seja como uma primeira-dama. Sintonizada com seu tempo, engajada nas lutas sociais e nas redes digitais, Janja ocupa seu espaço para divulgar ações do governo federal e formas de combater as desigualdades.

Não se falava...”ah! mas, a Michele”, diante de suas manifestações e atitudes, que chegaram a fazer seu marido lhe “mandar” ficar quieta. Entretanto, se fala muito: “Ah! Mas a Janja...”

Então, resta refletir por que, na atualidade, duas mulheres ocupando o mesmo espaço de protagonismo, uma de extrema-direita e outra de esquerda, ocasionam posicionamentos tão distintos, sem críticas no caso de uma e barulho midiático no caso da outra.

Ao pensar em ideologias políticas, fica fácil entender os dois lados, mas e a imprensa heim?






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