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sexta-feira, 22 de maio de 2020

A geração do medo

Nasci em 1961, vi muita coisa com esse meu olhar hipermétrope de menina otimista, que teve paralisia infantil com 1 aninho de idade, usa óculos desde os 5 aninhos, que tem pernas grossas por genética e por muitos cuidados da minha mãe e do meu pai com massagens, uso de bota ortopédica até a adolescência e a pratica de esportes.
Ontem, estarrecida com o aumento de mortes no Brasil que poderia ter sido evitado afinal tínhamos a experiência do que aconteceu na Europa e era simplesmente seguir os protocolos, comecei a pensar na minha vida e da minha geração. Me veio à mente que somos a “geração do medo”.
Aqueles(as) que são mais velhos(as) irão compreender mais facilmente o que vou tratar aqui. Aos demais, espero que sirva como aprendizado.
Penso na minha geração com foco em três pontos: saúde, política e moral. Os pontos são para efeito didático pois eles se entrelaçam o tempo todo.
Como eu escrevi no início, tive paralisia infantil, a temida poliomielite nos anos 1960. Nascida em Maringá, fui socorrida a tempo. Maringá tinha apenas 14 anos quando nasci, imaginem como era esse “el dorado” na época. Nem vou contar que tive difeteria (crup), sarampo dos bravos, tosse comprida (parece que isso não existe mais) e muita rinite alérgica.
No entanto, hoje sei que não era só eu. Essa foram doenças comuns na época e, muitas vezes, escondidas dos governos que não tinham nem estrutura para atendimento nem remédios ou vacinas. Aliás, vacina pra minha mãe, é uma questão de honra. Ela nem titubeia quando mandam vacinar e sempre incentivou toda a família. Imagino que ela deva ter sentido muito mais o peso da falta de atendimento à saúde na época do que a minha visão de criança que estava sendo cuidada.
No período da ditadura militar, teve o surto da meningite, escondida pelo governo até que começa a vacinação em massa da população. Muitas vidas se perderam por conta da postura do governo militar. Viu como a política aparece em nossas vidas, sempre.
Na adolescência da minha geração, havia um forte apelo moral para as moças se cuidarem para não ficarem mal faladas ou não engravidarem. Mesmo diante da emancipação das mulheres, o controle sobre os corpos e mentes das meninas persistia patrocinado pelas famílias, pelas igrejas e sociedade em geral. Lembram que tinha a novela das 10 que a gente não podia assistir por que era mais “pesada”?.
Não se pode esquecer o medo da ditadura militar que pairava no imaginário e na realidade de muitas pessoas. Professores eram obrigados a pular certas partes da história, a não comentar episódios nacionais e a se manter em silêncio diante de perguntas dos alunos referentes a situação atual.
No auge da abertura democrática (anos 1980) e com ares de mais liberdade, aparece a AID-HIV, trazendo com ela toda a carga de preconceito enraizada na sociedade brasileira com a homossexualidade, considerada, inicialmente, a única forma de transmissão. Novamente, muitas vidas se perderam até que se encontrasse um remédio para tratar a doença.
Mas, aí o medo se implantara, no sexo e nas relações pessoais, colocando em xeque a situação dos relacionamentos. Paralelo a esse medo, enfrentamos um outro, a terrível inflação. Quantos de nós presenciamos a cena de funcionários de mercado mudando as etiquetas com aumento do preço das mercadorias enquanto estamos comprando. Nessa época quem tinha condições financeiras, estocava produtos pois sabia que no dia seguinte o preço teria subido, enquanto o salário não acompanhava. Teve até o “seja fiscal do Sarney”.
Na sequência, tivemos as poupanças confiscadas pelo Collor, vimos nosso dinheiro sumir na época com os cortes do Pano Real e nos assustamos com a privatização do setor público em áreas estratégicas feitas pelo FHC. Respiramos um pouco nos governos Lula e Dilma pela implementação de políticas públicas, mas nos preocupamos com o mensalão no governo Lula, vimos os ataques da imprensa ao MST, as greves de trabalhadores (as) e a presidente Dilma. No caso da presidente Dilma, vimos ataques sexistas vindo, principalmente, de diversos setores conservadores da sociedade, exalando todo seu machismo. Sofremos com a retirada dos direitos trabalhistas nos governos Temer e Bolsonaro.
O combate a violência contra a mulher firmou-se no país com a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2014), mas o Brasil continua sendo um país inseguro para as mulheres que, ainda, andam nas ruas e dentro de suas próprias casas, com medo. Medo, também, que acompanha homossexuais, negros e indígenas nesse país preconceituoso e racista.
Tivemos medo com o H1N1, com a gripe A e agora estamos com muito medo do coronavírus, cuja pandemia por si só, causa insegurança devido  a milhares de mortes. No nosso caso, o medo aumenta por conta de um governo negacionista que estimula a proliferação da doença e não apoia as medidas protocolares da Organização Mundial de Saúde e nem da ciência.
Hoje entendo que o slogan da campanha do Lula, “sem medo de ser feliz” não veio do nada, certamente a equipe que bolou a chamada capturou o medo que caminha com o povo brasileiro diante da falta de continuidade de políticas públicas sérias que melhorem sua vida. 
Um povo que é subjugado por questões morais e religiosas que camuflam o domínio de uma elite predadora que visa apenas o lucro, não importa quem e como o traga desde que esteja lhe favorecendo.
No entanto, como aquela menina otimista que viu muita coisa, eu afirmo com convicção, somos um povo guerreiro que vai ser feliz de novo.



quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os sabores em nossas vidas



A quarentena devido a pandemia do coronavírus fez com que muitas pessoas se envolvessem com a arte milenar da cozinha.
No meu caso, em particular, a cozinha tornou-se uma experiência interessante pois com a minha mãe em casa, aproveitei o tempo para aprender aqueles pratos familiares que eu sempre saboreei muito, como o tradicional macarrão com sardinha.
Além do aprendizado regado a conversas sobre o passado, sobre meus avós maternos e paternos, veio-me a lembrança de vários tipos de comidas que eram feitos pelas famílias e em família.
Tenho muitos exemplos de comidas de família, um deles é a confecção da pamonha, na qual todos tem uma tarefa, desde as mais complexas do cozimento até as mais simples, como embrulhar e amarrar a pamonha. Outro é a torra do café, com aquele perfume delicioso envolvendo o ambiente, ou, melhor, os quintais. Tinha também a garapa, a linguiça calabresa que meu avô fazia, os ovos enormes naquele omelete  saboroso, aquele bife na chapa de fogão a lenha, preparados pela minha avó do sítio, o arroz doce e o manjar da minha mãe e o doce de mamão que minha mãe e meu pai faziam e a lista vai crescendo. E aquela macarronada espetacular da vó da cidade. Era assim mesmo que chamávamos, nos referindo as avós, a vó Angela era a “vó do sítio” e a vó Maria (Marianna) era a “vó da cidade”.
Dá pra perceber que esse é o lado da tradição rural que permanece nas gerações e nas histórias da família. São sabores que, certamente, não sentirei mais, tanto pelos avós que não estão entre nós, como pelos produtos e seus componentes não industrializados como nestes novos tempos que, mesmo que combinados, não dariam aquele sabor da minha infância e adolescência.
Essa lembrança dos sabores culminou nesta semana, com outro sabor da infância, a fruta cajá-manga (foto abaixo). Recebi de presente da minha prima-irmã e ao cortar a fruta veio aquele perfume familiar que me fez retornar ao passado. Escrevi sobre ele, fotografei e coloquei no Facebook, atiçando a lembrança de primos e primas, afinal o pé de cajá-manga ficava no quintal da vó da cidade e a meninada adorava.
A comida ou a bebida, seja um prato especial, uma fruta ou um cafezinho não é apenas comida ou bebida. Elas carregam em sim, com seus sabores e perfumes, as lembranças das pessoas, dos fatos e dos tempos idos. Tenho uma lista de amigas e amigos, com seus cafés, bolos de cenoura, tortas e feijões que proporcionam deliciosos momentos que retornarão assim que essa pandemia passar.
Uma vez li que se uma determinada comida causa indisposição estomacal ou estiver ligada a fatos tristes, a mera menção aquela comida, traz à tona a mesma sensação e por isso, não aguentamos comer novamente.
Por outro lado, a minha experiência me ensinou que os sabores e perfumes podem nos fazer lembrar de momentos lindos que estavam adormecidos em algum canto de nossas vidas.
Os sabores e perfumes permanecem nas nossas mentes e corações e basta um simples cheiro ou gosto para nos transportar para o passado como aquele perfume do cajá-manga que me levou para décadas atrás, no quintal da casa da vó Maria.


segunda-feira, 11 de maio de 2020

12 de maio – meu pai faria 87 anos


Meu pai, Angelo Tait, foi fazer companhia para meus avós e meus tios faz 15 anos.  Ele continua presente em nossas vidas, em todo instante, nas músicas sertanejas que gostava, na costela que preparava como ninguém, nos seus inúmeros e valiosos conselhos e comentários. Comentários como “nunca desista dos filhos, são nossos tesouros” ou “mulher autônoma não aguenta homem ruim” eram recorrentes.
Sabia ser bravo, mas sabia ser muito carinhoso. O orgulho que possuía dos filhos era visível, afinal os três realizaram o sonho dos pais de ter seus filhos formados.  
O “Angelim” da minha vó Marianna era daqueles que atravessava a cidade a pé pra levar pra sua mãe um maço de almeirão que plantara em sua hortinha. Ele era feliz.
Quando éramos crianças, sabíamos quando ele estava chegando pelo barulho do caminhão e nunca errávamos.
Lembro de dois episódios que mostravam a situação da época, seu espírito empreendedor e inteligência para criar coisas com as ferramentas que dispunha.
Quando o meu avô materno vendeu o sítio, meu pai pediu algumas ferramentas, entre eles o moedor de cana que trouxe pra casa. Tomamos muita garapa feita por ele. Ah! Hoje em dia, o nome é caldo de cana...coisas da modernidade.
Meu pai nunca gostou de ser empregado e ficar preso nas amarras das empresas. Ele dizia que trabalhava como “um camelo”, mas prezava sua liberdade. Gostava dos caminhões e das viagens. Uma vez ele quis comprar um caminhão Scania (desses enormes que antigamente chamava jamanta). Nossa família tirou essa compra da cabeça dele pois eram prestações enormes.
Quando chegava de viagem ele inventava uma armadilha pra ladrão de caminhão. Tirava a bateria do caminhão e fazia um cambalacho do motor com fiação pra dentro de casa, que se alguém mexesse no caminhão, caía a tralha dentro de casa e ele acordaria. Não me lembro se isso aconteceu alguma vez de ladrão mexer no caminhão, mas me lembro da engenhoca.
Teve período de criação de frangos e de coelhos em casa para subsistência. A criação de coelhos o deixou meio frustrado porque nós brincávamos com os coelhos e ficamos com dó de comer os bichinhos.
A primeira vez que morreu a mãe de um amigo meu, eu cheguei em casa chocada e ele me disse: “é assim mesmo, as gerações vão acabando, daqui a pouco chega a nossa vez”.
Aos 52 anos teve seu primeiro infarto. O outro foi aos 72 anos quando ele foi embora para ficar juntos dos meus avós.
No primeiro infarto, a preocupação maior dele era com a minha irmã caçula, temporona e xodozinho que nasceu quando ele tinha 45 anos de idade.
No segundo infarto, a alegria dele era saber que os filhos e netos estavam bem.
Não conheceu a última neta que nasceu muito tempo depois e nem seus bisnetos que levam seu sobrenome como uma homenagem que as netas fizeram ao “vô Careca”.
Sinto uma saudade imensa combinada com uma alegria na mesma proporção por ter tido um pai amigo, parceiro e companheiro.
Ás vezes, me pego conversando com ele e comentando algum episódio, como esse agora dos tempos em que vivemos. Sei que ele ia sorrir e falar: “as vezes os governantes fazem guerras pra deixar morrer muita gente pra eles economizarem e continuar no poder”.
Feliz aniversário de 87 anos, pai. Comemora muito aí no canto dos anjos.