Os ataques sistemáticos por setores da direita e da esquerda e pela imprensa direcionados à Janja, esposa do presidente Lula, trazem à reflexão sobre o papel das primeiras-damas e seu significado.
O
“primeiro-damismo” na forma configurada como a mulher do político presidente,
governador ou prefeito assumiu ao longo da república brasileira o papel de
assistencialismo, voltado para obras de caridade e filantropia. Não há consenso
sobre esse papel, que não é remunerado e nem considerado cargo político. Destaca-se
que o movimento feminista desde os seus primórdios questiona o papel da
primeira-dama como um “apêndice” do político eleito.
Algumas
primeiras-damas se destacaram no Brasil, por serem silenciosas como a
antropóloga e professora universitária Ruth Cardoso (esposa do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso), outras por serem consideradas muito bonitas e
elegantes como Maria Thereza Goulart (esposa do ex-presidente João Goulart),
outras por mesclarem assistencialismo com a política como Darcy Vargas (esposa
do ex-presidente Getúlio Vargas).
Percebe-se
que no caso dos homens maridos, cuja expressão é primeiro-cavalheiro, chamado
jocosamente de “primeiro-damo”, não há questionamentos sobre sua postura ou
posicionamento político.
O
primeiro-damismo é tão latente na sociedade brasileira, que na campanha pra
presidente de 2018 em que concorreram Haddad e Bolsonaro, circularam fotos das
suas esposas, por parte dos adeptos do segundo, perguntado qual delas ficaria
melhor como a primeira dama. Michele (dona de casa) aparecia na foto maquiada
enquanto Ana Estela Haddad (professora e dentista) surgia numa foto abatida e
sem maquiagem.
No
entanto, as primeiras damas, normalmente, seguem a linha política adotada por
seus maridos. Assim foi na política de desmonte das políticas públicas para
mulheres, instaurada pelos governos pós golpe impetrado contra a presidente
Dilma Roussef, quando as primeiras damas (Marcela Temer, esposa do ex-presidente
Michel Temer e Michele Bolsonaro, esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro) se
colocaram no papel de esposas recatadas, do lar e cuidadoras de seus maridos.
No caso da última, seu papel foi além ao se inserir na política buscando
protagonismo para se candidatar no futuro, cuja atuação e interferência
política é amplamente aceita por seus partidários.
No
entanto, a mesma aceitação não acontece com a atual primeira-dama, Rosangela da
Silva, a Janja. Socióloga, com mestrado e uma carreira consolidada na qual se
aposentou por tempo de serviço, Janja tem sofrido ataques constantes, não
apenas de seus opositores da extrema-direita bem como de setores da esquerda,
da extrema esquerda e da direita e da imprensa.
Desde
que assumiu, Janja em consonância com os tempos atuais e sempre engajada nas
lutas sociais, declarou que iria continuar participando ativamente da vida
política do país. Assim, não se exime de cobrar e apoiar políticas públicas
para mulheres, o combate à homofobia, o combate ao racismo e a defesa das
crianças e adolescentes, dentre outras.
Piadas
constantes a respeito de Janja ecoam a todo momento, desabonadoras desde o
conteúdo de suas falas até as roupas utilizadas por ela, marcam as redes digitais, nesse tempo de
divulgação instantânea de mensagens e de fake news. Até comparações
entre ela e Marisa Letícia (esposa falecida do Presidente Lula) surgiram
ressaltando a discrição da Marisa, sem considerar que são mulheres com perfis,
formações e gerações distintas. As duas atuam e atuaram na história do seu
partido político, o PT, ambas no apoio ao presidente Lula, cada uma com seu
estilo.
Da
mesma forma, que não se pode comparar uma primeira-dama dos anos 1940, numa
década de outra conjuntura social com uma primeira-dama da terceira década do
século XXI, na qual as mulheres ocupam cargos de poder e chegaram à
presidência do Brasil.
Tanto
Janja como Michele, concordando ou discordando delas, estão exercendo seus
direitos de serem protagonistas de suas histórias. Incorporadas que estão no
espírito contemporâneo de empoderamento feminino, as duas traçam suas
trajetórias.
Infelizmente,
Michele, mesmo usando o espaço político de voz feminina e de poder, incentiva a
reprodução do estereótipo “submissa, recatada e do lar”, mesmo que isso não seja
condizente com sua postura de atuação na defesa dos interesses de seu partido
(PL) e de sua família, viajando para diversos locais, inclusive ao exterior,
desacompanhada. Fica a impressão que ela não é autêntica, e apenas exerce um
figurino que lhe foi dado para conquistar e firmar o seu eleitorado, com
lágrimas e palavras fáceis.
Janja,
por sua vez, ao ser autêntica, não usar subterfúgios e nem meias palavras, mexe
com aquilo que há de pior na política brasileira, o machismo, enraizado e travestido
de violência política de gênero, que surge quando uma mulher começa a ser
destaque, seja como eleita, seja como uma primeira-dama. Sintonizada com seu
tempo, engajada nas lutas sociais e nas redes digitais, Janja ocupa seu espaço
para divulgar ações do governo federal e formas de combater as desigualdades.
Não
se falava...”ah! mas, a Michele”, diante de suas manifestações e atitudes, que
chegaram a fazer seu marido lhe “mandar” ficar quieta. Entretanto, se fala
muito: “Ah! Mas a Janja...”
Então,
resta refletir por que, na atualidade, duas mulheres ocupando o mesmo espaço de
protagonismo, uma de extrema-direita e outra de esquerda, ocasionam
posicionamentos tão distintos, sem críticas no caso de uma e barulho midiático no
caso da outra.
Ao
pensar em ideologias políticas, fica fácil entender os dois lados, mas e a
imprensa heim?
Excelente artigo, Tania! Parfabéns!
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