Num período em que o feminismo
vem sendo atacado, tanto por homens como por mulheres, com informações
distorcidas e maldosas, cabe uma reflexão sobre o papel do machismo em nossas
vidas.
Começamos afirmando que o feminismo
não é o contrário do machismo pois o feminismo não quer oprimir ninguém, quer
apenas igualdade de direitos, o compartilhamento das tarefas domésticas e o
direito da mulher ao próprio corpo. No entanto, essas reivindicações não são
aceitas de forma tão simples pela sociedade conservadora que para combate-las
faz uso de artifícios que encantam as próprias mulheres. Chamaremos esses artifícios de “armadilhas do
machismo”.
Tudo começa na infância com a
suposta proteção às meninas, o que as impede de explorar a rua e o mundo como
os meninos. Mesmo que a exploração seja dentro de casa, no uso de computadores
e celulares, quando, por exemplo, o computador fica no quarto do menino para
que ele passe horas a fio em jogos de computador e nas redes sociais. Não vamos
discutir se o comportamento de trancafiar no quarto é correto ou não, isso fica
para a psicologia. O que nos chama a atenção é a diferença na própria
disposição do equipamento, cuja responsabilidade fica a cargos dos meninos.
As festinhas de aniversário são
outro exemplo. Se uma menina pedir uma festa com o tema de carros, vingadores
ou dinossauros vai assustar a família. O contrário, também, imagina se um
menino pedir a festa com tema Mulher Maravilha? Será um escândalo. Na infância
de antigamente, quando tinha festa de aniversário, era bolo com refrigerante e
ponto final. Nos parece que o mercado consumidor conquistou o público ao
fortalecer as supostas diferenças de
gênero. Segundo a professora Eliane Maio, em um palestra, o próprio colocar de
brincos na criança reproduz a visão de gênero. No bebê menina colocam o brinco logo
que nasce pra não ser confundida com menino. O menino pode decidir no futuro se
quiser usar brinco ou não.
Depois vamos entrando na vida
adolescente e vemos, em grande parte dos lares, que as meninas assumem as
tarefas de lavar louça e fazer comida enquanto os meninos continuam passando
seu tempo em computadores, por exemplo. Na escola, os meninos correm e jogam
futebol no pátio enquanto as meninas fazem outras atividades mais comportadas.
Na vida adulta, as mulheres realizam
as atividades do mercado de trabalho e as atividades domésticas, sendo cobradas
em todas elas, para serem perfeitas, como se fosse uma espécie de “castigo” por
querem os mesmo direitos e obrigações dos homens. Aliás, direitos e obrigações
entre mulheres e homens garantidos na Constituição Brasileira de 1988.
Certamente, as mulheres padecem muito mais de assédio sexual e moral no local
de trabalho do que os homens, além delas receberem os menores salários. Para a
mulher negra, a situação é pior ainda pois entram no mercado precocemente,
ocupam mais as atividades do trabalho doméstico, são discriminadas e
maltratadas.
Ao crescer, as meninas e mulheres
começam a descobrir o amor. O amor que deveria libertar, ser um sentimento que
fizesse as pessoas crescerem como ser humano e dar o melhor de si, torna-se, em
muitos casos, uma prisão. Dessa forma, uma
armadilha feroz do machismo configura-se no chamado “amor romântico”, no qual a
mulher envolvida pelo sentimento, não se apercebe dos sinais de violência no
relacionamento, os quais começam como menosprezo, proibição de fazer coisas que
ela gosta ou afastamento da família e amigos. Muitas mulheres, inclusive, não
realizam boletins de ocorrência das violências emocionais, psicológicas ou
morais sofridas por incorporarem essas violências como algo natural e corriqueiro nos relacionamentos,
mesmo que a Lei Maria da Penha tipifique esses tipos de violência como crime.
Toda mulher, em algum momento da
sua vida, ouviu um “pára de falar, você não entende disso” ou “isso é conversa
de homem”; levou uma passada de mão, sem
desejar, em algum lugar do corpo, inclusive andando na rua; foi “cantada” de uma maneira
que a incomodou; foi demitida ou não arrumou emprego por ser mulher; foi
desprestigiada, mesmo sendo mais qualificada ou preparada; enfim existe uma série de situações pelas
quais as mulheres passam e que fazem parte do universo feminino quase que como
natural. Mas, não é natural. Tudo aquilo que faz as mulheres sofrerem por sua
condição de ser mulher é fruto de uma
sociedade conservadora e machista que aprisiona as mulheres e as impede de ser
e estar onde elas desejarem.
Uma outra armadilha bastante
camuflada e incorporada na vida das mulheres é de que as mulheres competem
entre si, como se o homem fosse um troféu a ser conquistado e a mulher que
obtem o noivo ou marido é uma felizarda diante das demais mulheres. Colocaram
essa história de competição entre as mulheres em nossas cabeças para fortalecer
o machismo que prega a todo instante que as mulheres não são unidas, nem votam
em mulheres etc.
No mundo do trabalho e na
política, as armadilhas do machismo são gritantes. Mesmo mais qualificadas, as mulheres
não relegadas em promoções, recebem até 30% a menos do salários do homens, na
mesma função e sofrem mais assédio moral e sexual.
Na política, a despeito dos 30% de cotas para candidaturas, muitas
mulheres são usadas como candidatas laranjas para receber o recurso do fundo
partidário. A maioria das mulheres eleitas é por herança familiar de um homem
político conhecido. A cota, por sua vez, deveria ser paritária afinal as
mulheres são 52% da população brasileira.
Nem sempre é fácil identificar as
armadilhas do machismo pois a proteção às mulheres e o cavalheirismo estão
sempre nos discursos e atitudes. Abrir uma porta do carro para uma mulher pode ser realmente
uma gentileza por parte do homem, mas ele pode, também, querer mostrar que você
precisa de uma figura masculina até pra abrir uma porta.
Os tempos atuais de informação
rápida e em tempo real trazem mais oportunidades para as mulheres, no entanto,
percebe-se que uma parcela da sociedade quer dar uma guinada em direção ao
século retrasado e ignorar a contribuição dada pelas mulheres, ora dentro do
lar ora na vida pública.
Não se pode permitir retrocessos!
O feminismo atua para que as mulheres tenham o direito de escolha e sejam
felizes. Parceiros na vida e por um mundo melhor, mulheres e homens tem muito a
contribuir, de forma equilibrada e igualitária, respeitando os direitos e a
liberdade.