A trilogia criada a
partir das reflexões sobre as armadilhas do machismo compõe-se das partes: Na
Parte I, foram tratados aspectos públicos da vida da mulher, no mundo do trabalho,
na política e sobre a violência; Na Parte II focou-se sobre o controle nos corpos
das mulheres em uma visão mais
particular ligada ao mito da beleza e da juventude. Na Parte III destaca-se o
cérebro das mulheres que, mesmo sendo uma parte do corpo físico, merece
destaque pois, muitas vezes, é visto como separado por possuir o componente
emocional junto com o racional.
Para tanto, abre-se uma reflexão em
“Armadilhas do Machismo: Parte 3 – o controle sobre o cérebro das mulheres” de
como o cérebro das mulheres é controlado pela sociedade e direcionado para a
realização de atividades de acordo com o dito “caráter feminino”.
Três episódios são
exemplos desse controle sobre nossos cérebros.
Vou começar por um
episódio particular que marcou a minha juventude. Fui aluna de curso da área de
computação no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Quando perguntavam o
que fazia e dizia que era Processamento de Dados, as pessoas se assustavam e,
imediatamente, retrucavam “pensei que fosse estudante de letras pra ser
professora de português” (pelos meus óculos, talvez), como se estudar portugues nao precisasse de raciocinio. A situação era tão
gritante que nós, meninas daquela época, adotávamos uma estratégia de
afastamento para os meninos indesejáveis: dávamos um jeito de que eles soubessem de imediato que
éramos da área de computação. Era debandada de meninos, na certa.
Destaco, como segundo
exemplo, o filme “Estrelas além do tempo” que traz para as telas a história
verídica de três mulheres negras que trabalhavam na Nasa no período de estudos
para lançamentos de foguetes para a lua: uma engenheira, uma especialista em
computação e uma matemática. As três mulheres passaram por grandes desafios
para provar aos homens e mulheres colegas de trabalho que possuíam capacidade e
conhecimento para solucionar problemas complexos. Além do racismo a que foram
submetidas havia o preconceito por serem mulheres, fazendo-as sofrer
duplamente.
Como terceiro exemplo, cito
duas situações encontradas ao pesquisar as mulheres que lutaram contra o
governo da ditadura militar no Brasil. Por um lado, mulheres na clandestinidade
realizando tarefas operacionais ou até serviços domésticos com raríssimas
mulheres em postos de direção. Quando presas políticas essas mulheres eram
questionadas pelos agentes da polícia por estarem no lugar errado e que
política era coisa de homem. Ou seja, seus cérebros tensionados para serem boas
mães e esposas eram utilizados na militância e questionados pela polícia por
não seguirem os padrões sociais estabelecidos na época.
Por décadas, nós, mulheres
fomos ensinadas a procurar áreas de estudo que contribuíssem para colaborar no
orçamento doméstico e que9 fossem compatíveis com o temperamento dito feminino
de cuidar e ensinar. Assim, as mulheres passaram a exercer profissões que
funcionavam como continuidade dos serviços executados dentro dos lares como
cuidar das crianças e dos enfermos da família. Quando as mulheres começaram a
ocupar a função de ensino antes ocupada majoritariamente por professores
homens, tanto os salários como a valorização do profissional sofreram quedas
consideráveis.
Meninas que se
interessavam por áreas como matemática ou física eram vistas como estranhas
pois essas áreas eram consideradas relevantes e muito
complexas.
Estamos falando no
tempo passado. Mas, mudou? Os cérebros das mulheres são autônomos? Elas podem
empregar sua inteligência na área que desejarem ou continuam sendo
direcionadas?
Muita coisa mudou,
certamente, em termos de evolução (nem tanto) e de tecnologia. No entanto, a
área tecnológica continua sendo ocupada em sua maioria pelos homens com a alegação
de que levam mais jeito para cálculos e resolução de problemas complexos.
Mulheres e meninas
ainda ouvem frases como “fica quieta, você não entende disso” ou “isso é
assunto para homens”. Estão ainda nos
dizendo a todo instante o que fazer quando se trata de capacidade de
raciocínio, de uso do cérebro para gerenciar e solucionar, principalmente em
áreas dominadas por homens. Não é a toa que as mulheres que se empoderam na
política sofrem todo tipo de preconceitos por atuarem em uma área de poder e
tomada de decisão que rompe com o paradigma de mulher submissa.
Observemos que a
sociedade determina onde as pessoas podem estar e o que podem realizar. Assim é
feito com os negros, indígenas, mulheres e todos os que não se enquadram no
estereótipo do homem branco, rico e heterossexual.
Assim, o controle sobre
nossos cérebros se dá nas famílias, nas escolas, pelas religiões e pelo Estado.
Esse último deveria garantir a Constituição Federal que rege a igualdade de
direitos e obrigações entre mulheres e homens e mesmo mantendo um setor governamental
de políticas públicas para mulheres ve-se que a ideologia de submissão da
mulher é a que prevalece. A mulher deve ter o direito de escolher onde quer atuar e onde se sente mais feliz, seja no lar, na empresa ou na política.
Muitos resquícios do
passado nos rondam e impõem controle sobre os cérebros das mulheres com o
intuito de direciona-los para a manutenção da sociedade machista e excludente,
menosprezando nossa capacidade para melhorar o mundo em que vivemos.