Numa das rodas de
conversa que participei, uma senhora viúva contou que passou seu casamento todo
sendo chamada de “burra”. Segundo ela, o marido não a deixava fazer nada fora
de casa e mesmo na cozinha ou no cuidado com as crianças que são distribuídas
como “ tarefas femininas”, ele a tratava dessa forma. Quando ele faleceu, ela
teve que realizar várias atividades que antes não podia e aí ela descobriu que
não era burra pois conseguiu fazer o que precisava. Foi muito dolorido ouvir
aquela senhora, com 74 anos de idade relatar sua situação de conformidade e
aceitação com o tratamento que recebeu a vida toda. Ao mesmo tempo, a esperança
tomou conta ao ouvirmos que ela teve tempo de descobrir que nunca foi burra.
Outra senhora nos contou
que passou a vida toda sendo chamada de “louca” toda vez que fazia comentários
sobre coisas que não gostava na casa ou no relacionamento até que descobriu que
não era louca e que todos os seus comentários ou suspeitas eram realidade. Historicamente,
em séculos anteriores, as mulheres que não aceitavam as regras da sociedade, as
ordens paternas ou dos maridos eram internadas em sanatórios e conventos com
alegação de problemas psicológicos. Tem, também, as que foram queimadas em
fogueiras com alegação de serem bruxas, mas isso é tema pra outro artigo.
Mesmo se libertando da
violência cotidiana, as duas senhoras tomam antidepressivos e são atendidas pelo setor de psicologia para
se fortalecerem.
Esses relatos nos levam a
pensar sobre a imensa quantidade de mulheres que tiveram suas potencialidades
suprimidas diante do machismo e do patriarcado, se tornando invisíveis e
submetidas a todo tido de violência.
Entretanto, a situação
mudou. No Brasil temos duas leis que tratam sobre a violência psicológica e a
emocional: a Lei Maria da Penha e a Lei de Violência Psicológica contra a
mulher.
A Lei Maria da Penha, além de
retirar a violência contra a mulher do âmbito doméstico colocando-a sob a
responsabilidade do setor público, trouxe a tipificação da violência.
Antigamente, a violência era vista apenas como física e sexual, mas a partir da
promulgação da Lei em 2006, são consideradas violências: a física, a
patrimonial, a sexual, a moral e a emocional ou psicológica.
A violência psicológica chama a
atenção por sua invisibilidade, ou seja, ela não aparece. Apenas a pessoa que
sofre esse tipo de violência é que sabe o seu significado. Pelo artigo da Lei
Maria da Penha que trata esse tipo de violência, tem-se que:
II - a violência psicológica, entendida como
qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que
lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Esse tipo de violência é tão grave, que houve necessidade
de reforçar a criminalização de sua prática, o que ocorreu a partir da Lei
14.132/2021 que inseriu no Código Penal Brasileiro o artigo 147-B, que traz a
figura do crime de violência psicológica contra a mulher. O artigo descreve
como conduta ilícita o uso de ameaças, constrangimentos, humilhação,
manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir
e vir ou outros, para controlar ações, comportamentos, crenças e decisões da
mulher, causando dano emocional ou prejuízo à saúde psicológica. A pena
prevista é de 6 meses a 2 anos de reclusão e multa.
Para que a lei seja acionada faz-se necessário
que a vítima realize boletim de ocorrência e busque a rede de atendimento de
proteção às mulheres vítimas de violência. Importante que isso ocorra para que
mulheres como as senhoras que foram chamadas de burras e loucas saibam que elas
são mulheres que estão sofrendo violência, que são vítimas de um agressor cuja
atitude é crime e tem punição.
Está na lei, é crime! Que as mulheres se libertem
das violências e sejam protagonistas de suas histórias.