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sábado, 8 de abril de 2023

A “burra”, a “louca” e a lei

Numa das rodas de conversa que participei, uma senhora viúva contou que passou seu casamento todo sendo chamada de “burra”. Segundo ela, o marido não a deixava fazer nada fora de casa e mesmo na cozinha ou no cuidado com as crianças que são distribuídas como “ tarefas femininas”, ele a tratava dessa forma. Quando ele faleceu, ela teve que realizar várias atividades que antes não podia e aí ela descobriu que não era burra pois conseguiu fazer o que precisava. Foi muito dolorido ouvir aquela senhora, com 74 anos de idade relatar sua situação de conformidade e aceitação com o tratamento que recebeu a vida toda. Ao mesmo tempo, a esperança tomou conta ao ouvirmos que ela teve tempo de descobrir que nunca foi burra.

Outra senhora nos contou que passou a vida toda sendo chamada de “louca” toda vez que fazia comentários sobre coisas que não gostava na casa ou no relacionamento até que descobriu que não era louca e que todos os seus comentários ou suspeitas eram realidade. Historicamente, em séculos anteriores, as mulheres que não aceitavam as regras da sociedade, as ordens paternas ou dos maridos eram internadas em sanatórios e conventos com alegação de problemas psicológicos. Tem, também, as que foram queimadas em fogueiras com alegação de serem bruxas, mas isso é tema pra outro artigo.

Mesmo se libertando da violência cotidiana, as duas senhoras tomam antidepressivos e  são atendidas pelo setor de psicologia para se fortalecerem.

Esses relatos nos levam a pensar sobre a imensa quantidade de mulheres que tiveram suas potencialidades suprimidas diante do machismo e do patriarcado, se tornando invisíveis e submetidas a todo tido de violência.

Entretanto, a situação mudou. No Brasil temos duas leis que tratam sobre a violência psicológica e a emocional: a Lei Maria da Penha e a Lei de Violência Psicológica contra a mulher.

A Lei Maria da Penha, além de retirar a violência contra a mulher do âmbito doméstico colocando-a sob a responsabilidade do setor público, trouxe a tipificação da violência. Antigamente, a violência era vista apenas como física e sexual, mas a partir da promulgação da Lei em 2006, são consideradas violências: a física, a patrimonial, a sexual, a moral e a emocional ou psicológica.

A violência psicológica chama a atenção por sua invisibilidade, ou seja, ela não aparece. Apenas a pessoa que sofre esse tipo de violência é que sabe o seu significado. Pelo artigo da Lei Maria da Penha que trata esse tipo de violência, tem-se que:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Esse tipo de violência é tão grave, que houve necessidade de reforçar a criminalização de sua prática, o que ocorreu a partir da Lei 14.132/2021 que inseriu no Código Penal Brasileiro o artigo 147-B, que traz a figura do crime de violência psicológica contra a mulher. O artigo descreve como conduta ilícita o uso de ameaças, constrangimentos, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou outros, para controlar ações, comportamentos, crenças e decisões da mulher, causando dano emocional ou prejuízo à saúde psicológica. A pena prevista é de 6 meses a 2 anos de reclusão e multa.

Para que a lei seja acionada faz-se necessário que a vítima realize boletim de ocorrência e busque a rede de atendimento de proteção às mulheres vítimas de violência. Importante que isso ocorra para que mulheres como as senhoras que foram chamadas de burras e loucas saibam que elas são mulheres que estão sofrendo violência, que são vítimas de um agressor cuja atitude é crime e tem punição.

Está na lei, é crime! Que as mulheres se libertem das violências e sejam protagonistas de suas histórias.


 

 

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