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terça-feira, 18 de abril de 2023

A indissociabilidade entre a pauta identitária e a pauta econômica

O presente artigo foi escrito pelas professoras Tania Tait e Desiree Salgado, a partir de suas vivências e experiências de atuação com o tema.

Nos anos 1980, quando as brasileiras se organizaram para conquistar igualdade na Constituição de 1988 e começou a ser usada a expressão “políticas públicas para mulheres”, grupos em vários partidos políticos começaram a articular para tratar da temática direitos das mulheres. Entretanto, naquele período, independente da ideologia partidária, os discursos ficaram muito longe da ação concreta, pois se considerava necessário consolidar a democracia e resolver os problemas econômicos. E assim, foi também com os demais setores chamados de minorias como negros, indígenas, lgbtsqia+, pessoas com deficiência, entre outros.

Nos anos 2000, as reivindicações desses agrupamentos passam a ser nominadas como “pautas identitárias” e ao mexer com a estrutura da sociedade e seu falso moralismo, marcado por machismo, racismo e homofobia, incomodam políticos e a população mais conservadora. As demandas pós-materialistas se colocam na agenda de discussões ao lado das questões econômicas e da necessidade de consolidação democrática.

Recentemente, um político latino-americano - nem todo homem, mas sempre um homem - se pronunciou novamente com relação às chamadas pautas identitárias relacionando como menos importantes diante da pauta econômica que deve ser trabalhada para reduzir as desigualdades. Surge assim, novamente a disputa equivocada entre a dita pauta identitária e a pauta econômica.

Primeiramente há que se corrigir a adjetivação, ou, ao menos, aplicá-la de maneira a englobar a política como ela vem sendo construída desde sempre. Quem estabelece o que está na lei, nas políticas públicas, na agenda da arena política, é um grupo específico, que se mostra coeso em sua identidade, ao menos demograficamente. Quem constrói e aplica o Direito é o tal do "sujeito transcendental": o homem branco, cisgênero, proprietário. E o faz para os sujeitos que se encaixam na medida do Direito e dos direitos: homens brancos, cisgêneros, proprietários. Assim, a política e o Direito estão nas mãos da parte da parte da parte: é uma política e um Direito fortemente identitários, se assim queremos chamar as políticas que se preocupam com parcelas da sociedade.

Adjetivar as lutas pós-materialistas como identitárias para diminuir sua importância é afirmar, de maneira enfática, que a política deve continuar sendo feita por quem se acha capaz de representar o todo, capaz de falar por todas as pessoas: o "sujeito transcendental", o homem médio, casado com a mulher honesta, que usa da neutralidade aparente da linguagem usual e da linguagem jurídica para manter sua dominação.

Trata-se de uma postura profundamente equivocada pois a pauta, agora chamada de identitária, engloba uma parcela significativa da população e, em alguns casos, a sua maioria. População submetida a salários menores, à violência e morte, ao uso precarizado da saúde pública, à falta de assistência. Pessoas que vivem em situação de pobreza, para as quais a Constituição pouco se aplica, e que precisam estar no centro das preocupações econômicas.

Evidentemente não é possível separar a pauta identitária e a pauta econômica. E é urgente evidenciar que a política vem sendo feita pela maioria dos detentores de poder para servir a apenas uma parte da população, ignorando mulheres, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência, lgbtqia+ que precisam de políticas públicas, de emprego, de salários dignos, de saúde, educação, moradia.

Chega dessa política discriminatória que está aí desde sempre. Queremos uma política plural, diversa, democrática. E queremos agora, porque essa é a democracia que está na Constituição e em quase todos os manifestos e estatutos partidários. Esperar mais tempo para vencer a desigualdade econômica é condenar mais e mais gerações à margem do poder e à falta de uma existência  com qualidade de vida.


 

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