sexta-feira, 31 de dezembro de 2021
terça-feira, 14 de dezembro de 2021
As dores femininas na pandemia
Como bem disse a filósofa Simone de Beauvoir, “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados“. Nada mais atual do que esta frase ao olhar com atenção para as mudanças que ocorreram com a vida das mulheres na pandemia da Covid19. Com as crises sanitária, política e econômica decorrentes da pandemia, as mulheres são as mais afetadas tanto na vida privada como na vida profissional.
Os dados apresentados tanto pela imprensa como no Anuário da Segurança Pública mostram que houve aumento de feminicídio, agressões e importunação sexual. No mundo do trabalho, por sua vez, a taxa de desocupação das mulheres é maior do que a dos homens, ou seja as mulheres foram as que mais perderam seus empregos ou deixaram de trabalhar para cuidar das crianças que ficaram sem creches e fora das escolas. Portanto, a vida das mulheres foi afetada tanto no privado como no público. Não dá pra separar o que acontece na vida das pessoas da atenção que os governos dão para os problemas que ocorrem na sociedade.
Dessa forma, o aumento da violência contra a mulher teve ainda a redução de orçamento federal para o combate a este mal que aprisiona e causa danos irreversíveis para a vida das mulheres e crianças que são afetadas, física e psicologicamente, pelas agressões. A partir dos dados, o governo federal teria justificativas para as políticas públicas para as mulheres, mas não o fez, optando por reduzir o orçamento.
Ao tratar do desemprego e da violência que afetam sobremaneira a vida das mulheres, uma situação deve ser destacada, além do fato das mulheres serem as que mais ficaram fora do mercado de trabalho. Trata-se de um tipo de violência que faz com que muitas abandonem suas carreiras profissionais para cuidar das crianças e dos idosos das famílias, num período marcado pelo distanciamento social, fechamento de diversos serviços e cuidados com uma doença agressiva que se espalhou rapidamente.
Normalmente, no cuidado das famílias, as mulheres assumiram esse papel em que os homens foram os provedores enquanto elas cuidavam do lar. Muitas aceitaram essa incumbência, mesmo tristes, sem questionar, considerando esse um papel inerente à elas. Muitas procuram justificativas com a afirmação de que todos da família ficaram bem de saúde e que conseguiram ensinar, brincar e estar mais próximas das crianças. Afinal, estamos em uma pandemia...
No entanto, eis aí um tipo de dor para ser estudado. Aquela culpa antiga por desejar uma profissão e confiar os cuidados das crianças para creches, escolas ou outros, foi substituída pela culpa de ter uma profissão ao invés de proteger a família da pandemia. Não que essa proteção seja errada, pelo contrário é muito bem recebida. No entanto, deve ser pensado no significado de dois anos afastada de uma profissão ou atividade que gosta por uma conjuntura que a forçou a isso. Não foi por escolha ou vontade própria, trata-se daquela imposição velada que a mulher assume como sua verdade, ao colocar todos os argumentos para justificar que, no final das contas, valeu a pena pois todo mundo ficou bem.
E ela? Ficou bem? Se ficou, tudo certo. Mas se restou alguma tristeza ou algum sentimento de frustração pela falta da atividade profissional que gostava de realizar, é algo a ser tratado e não pode ser ignorado.
Afinal, a pandemia revelou que mais uma vez, as mulheres sofreram e tiveram seus direitos, além de questionados, retirados. Na busca da igualdade, situações desse tipo devem ser avaliadas para que tanto a divisão das tarefas domésticas como ocupação de espaços de poder feita por homens e mulheres seja o normal na sociedade e não retroceda durante a ocorrência de cada crise sanitária, política, econômica ou religiosa.
domingo, 14 de novembro de 2021
Importunação sexual é crime
"Importunação sexual é crime, conforme lei federal nº 13.718, de 24 de setembro de 2018. A lei alterou o texto do Código Penal no capítulo "Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual"."
Quando começou a discussão sobre importunação sexual, homens chamaram de frescura ou "mimimi" o fato das mulheres se sentirem constrangidas com as tais" gracinhas masculinas". Outros vão além dizendo que elas deveriam estar felizes por chamarem a atenção deles.
UAU!!! além de machismo explícito, vamos combinar que é de uma tremenda falta de educação e de respeito importunar as pessoas que não querem ouvir as famosas “gracinhas” que de graça nada tem ou sentirem toques de outros.
Todas nós mulheres, em
algum momento das nossas vidas passamos por isso. O beijo roubado que é minimizado
como romântico; o comentário inoportuno sobre o corpo que é visto como elogio,
o toque em locais públicos, aquela mão inoportuna na cintura, entre tantos exemplos. Destaque aqui para os crimes como estupro e violência sexual que são aterradores e violam a alma e o corpo das mulheres.
Lembrei de um congresso de computação na área empresarial que fomos no Rio de Janeiro em 1979, no auge dos meus 18 aninhos.. Fretamos um ônibus com alunos(as) e professores (as). O evento trazia novidades na área. Toda essa discussão sobre importunação me lembrou três episódios. O primeiro foi quando eu estava descendo a escada do centro de convenções e um senhor de terno e gravata passou por mim e disse: - menina com essa loirice toda você está perdendo tempo estudando. Eu acelerei o passo.
O segundo, foi na apresentação de informações sobre um programa de computador que eu pedi explicação. Não sei se ele era o programador ou um representante, mas o que ele disse foi, no mínimo, inconveniente. – menina, você devia estar lá com aqueles engravatados em outro tipo de programa. Pra esse eu respondi: - não se preocupe, eu estou muito bem programando computadores, não preciso deles e quer saber, nem de gente como você. Sai pensando, será que esses dois estavam de combinado, no mínimo foi esquisito.
O terceiro foi num coquetel de confraternização no mesmo evento. Um carioca se plantou do meu lado e não parava de conversar. Aí me convidou pra sair dali. Eu respondi que não, que estava com a turma da faculdade e íamos embora de ônibus. Ele disse que me levava e muito blá blá blá...Eu estava procurando um jeito de me safar daquela conversa, quando um amigo chegou me abraçou e disse – vamos querida. Aí o cara saiu. Esse amigo disse que viu que eu estava incomodada e pensou num jeito de me tirar dali. Lembrei desse episódio quando vi a propaganda da L´oreal que mostra pessoas ajudando as que estão sendo importunadas.
Eu era uma mulher jovem e por mais que os machistas de plantão falem, nada disso foi lisonjeiro. Por se tratar de uma área inovadora, a computação, na época, eles se julgavam no direito de dizer onde era nosso lugar, se tivesse uma aparência razoável ainda se achavam no direito de insinuar que programas deveríamos fazer, referindo à programas sexuais e não aos programas de computadores.
Não vou listar as inúmeras importunações que sofremos, pois todas sabemos o que nos incomoda. A regra é muito simples, apesar de ser difícil de ser compreendida por importunadores: se a mulher não corresponde ou se sente constrangida ou ofendida, é importunação sexual sim, então sai dali e repense seus conceitos e ações.
Aprenda a respeitar que “não é não!” seja num olhar, num recuo ou numa palavra dita.
sexta-feira, 5 de novembro de 2021
A morte do Bolsa Família na maioridade
Lembro bem quando o programa Bolsa Família foi lançado 18 anos atrás. Houve muito debate, muitas críticas e, também, muito apoio.
As críticas vieram principalmente de grupos da classe média que viam como absurdo o governo dar dinheiro para as pessoas ao invés de dar emprego. Outra crítica vinha ao encontro da famosa malfadada meritocracia na linha do “se eu consegui, porque esse povo não consegue”.
Não pensavam essas pessoas nas milhões de famílias brasileiras que viviam na miséria, as quais nunca tiveram oportunidades. Pra ter argumentos pra discussão, falei com a Telma, assistente social. Ela me explicou detalhadamente que o programa se tratava de transferência de renda com uma série de requisitos e condições, principalmente vinculados à saúde e a vida escolar das crianças.
Lembro, também, que depois de um tempo, o cartão do Bolsa Família passou a ficar na mão das mães visto que uma pesquisa mostrou que os homens gastavam e outras coisas e as mulheres compravam comida.
Uma prima, a Margarete, que atuava na época em escola me contou que, todo mês, enviava a lista de presença de estudantes cuja família recebia o benefício. Caso houvesse falta, a assistência social ia na casa da família para ver o que estava acontecendo. Havia uma interseção também com a área de saúde para o acompanhamento das crianças.
Ah! Mas teve gente que recebeu e não precisava...diziam os contrários. Sim, mas quem cuidava do cadastro era o município que fazia a análise e distribuía o benefício. Infelizmente teve município que distribuiu com fins eleitoreiros.
Criados que somos na linha do ensinar a pescar, houve, realmente, dificuldades de assimilação por uma grande parte da classe média, principalmente por aqueles e aquelas que, graças a estudos, puderam ter uma vida uma pouca mais digna.
No entanto, com o
conhecimento do programa e a visível melhoria da vida de muita gente, o Bolsa
Família passa a ser mais aceito pela população, como uma ação de governo. É inegável que o Bolsa Família mudou o cenário da pobreza no Brasil, com a retirada do país do mapa da fome.
Agora, na sua maioridade, o Bolsa Família deixará de existir. Junto dele todas as ações na área de saúde e educação, voltadas para as crianças, sucumbirão.
Tudo porque o governo atual pensa em duas coisas: eleição e dinheiro. Assim, matar o Bolsa Família tem como intuito tirar da memória das pessoas, os governos do PT que o implementara. O dinheiro reduzido com o programa substituto Auxílio Brasil do governo servirá para a tentativa de comprar a reeleição.
E o povo? Voltará para a triste estatística do Brasil cravado no mapa da fome no mundo.
sábado, 23 de outubro de 2021
quinta-feira, 14 de outubro de 2021
Professoras e professores: superação na pandemia
- Artigo postado originalmente em Aduem.com.br
Fiquei pensando em escrever sobre professores (as) e a comemoração do dia 15 de outubro. A profissão de professora sempre esteve presente na minha família. A minha avó foi professora de datilografia, tenho muitas tias, primas, primos, irmã e genro que atuam na profissão. Uma vez minha filha mais nova, criança, afirmou: “mãe, nossa família é família de professores, tem você, o pai e um monte de gente, né”. Lembro também de professores e professoras maravilhosos que tive, alguns nem tanto, calmos, bravos, “pegadores de pé” entre tantos perfis. No entanto, seja de qual estilo ou perfil, uma coisa é certa, professores (as) sempre estimulam a turma de estudantes, corrigem, cobram porque sua função, além de conhecimento, transmite incentivo e a esperança de um mundo melhor.
Uma vez visitamos uma delegada da mulher pela Ong Maria do Ingá. Fomos a Zica e eu, duas professoras. Na conversa com a delegada sobre a juventude, chegamos à conclusão que ela, a delegada, devido ao seu trabalho tinha uma visão muito triste sobre a adolescência enquanto nós professoras, uma de ensino fundamental e uma de ensino universitário, tínhamos visão de esperança e de futuro para a juventude por meio da educação, cultura e esportes. Também me lembro ao viajar pela América Latina, anos atrás, quando as pessoas sabiam que eu era professora, o atendimento se tornava mais respeitoso ainda, como se eu fosse um símbolo de algo muito bom.
No entanto, nem tudo é essa visão romanceada. Agredidos(as) física e moralmente por governos descomprometidos com a educação, professoras e professores começaram a ser atacados, no Brasil, por pessoas que deturpam o processo de ensino-aprendizagem sem sequer entender o que falam e por governantes que sabem que a educação promove a libertação das pessoas e eles querem as pessoas longe do conhecimento para se perpetuarem no poder.
Aí chegou a pandemia e o mundo enfim redescobriu novamente a função relevante de professores e professoras. Seja porque as crianças ficaram confinadas em casa, seja porque realmente estavam preocupados com seus filhos(as), o fato é que os professores tiveram um papel fundamental na vida das pessoas. Eu diria que ao lado dos profissionais de saúde, sem dúvida, imprescindíveis no combate à pandemia, os profissionais de ensino possibilitaram junto com o conhecimento, a esperança.
Dentro de suas casas, com limitações tecnológicas, internet ruim, equipamentos não preparados e nem metodologia para o ensino on line, sem incentivo governamental (no caso das escolas públicas) ou empresarial (escolas privadas), professores e professoras deram sinal de resistência, aprenderam a usar a tecnologia e foram a exaustão para manter alunos e alunas em suas aulas.
Em alguns locais, professores e funcionários de escolas foram nas casas em busca de alunos que não assistiam aulas virtualmente, o que revelou outro lado da desigualdade social que é a falta de acesso às tecnologias de comunicação e informação. Falta de acesso por problemas de infraestrutura de rede de comunicação, celulares com limitações de conexão, famílias com um celular para mais de uma criança, entre tantos problemas que a pandemia mostrou que existem em nossa sociedade e não eram visíveis.
No fim das contas, mesmo com salários defasados, falta de infraestrutura para trabalho e com agressões de todo tipo, professoras e professores, cientes do seu papel, continuam firmes e convictos. A todos eles e a todas elas, nosso respeito, nossa reverência e nos moldes do imperador japonês que dizem só se curvar diante de professores, nós, também nos curvamos diante deles (as) e agradecemos pela existência de cada um (a) em nossas vidas.
Tania Tait 14/10/2021
aduem.secretaria@gmail.com
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
A pobreza menstrual, a desigualdade social e o machismo
A pobreza menstrual veio à público principalmente durante a pandemia que afetou a renda das famílias que passaram a dispor de poucos recursos financeiros. Ao ter a necessidade básica da alimentação como prioridade, alguns itens foram substituídos e deixados de lado, como, por exemplo o absorvente higiênico. Entretanto, a falta de dinheiro para comprar absorvente não é o único resultado da pobreza menstrual pois ela mostra o problema da falta do acesso a água, falta de saneamento básico e a desigualdade social.
Sendo mundialmente detectado, desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Especificamente no Brasil, uma pesquisa realizada e publicada recentemente revela que 28% das mulheres de baixa renda são afetadas pela pobreza menstrual, ou seja, mais de 11 milhões de brasileiras.
Tanto problemas físicos como emocionais afetam as mulheres. Físicos pelo uso de produtos como papel jornal, massa de pão ou papel higiênico para substituir o absorvente, o que ocasiona doenças como infecção urinária, candidíase entre outras doenças. No aspecto emocional, muitas faltam ao trabalho ou a escola por se sentirem sujas e constrangidas. Essa situação revelou problemas adicionais como banheiros sujos ou desprovidos de condições para higienização, seja nas escolas ou em locais de trabalho.
Na pandemia, sensibilizados pela situação das mulheres, vários municípios e entidades da sociedade civil realizaram campanhas para arrecadar itens de higiene pessoal femininos como absorventes, shampoos e aparelhos para depilar, destinados às famílias carentes.
Visto como um problema sério, a partir de uma iniciativa popular realizada por mulheres, o Senado brasileiro aprovou uma lei para distribuição de absorventes, coletores e tampões íntimos. Entretanto, a lei foi vetada pelo presidente Bolsonaro, em mais uma demonstração de insensibilidade diante da situação de mulheres e meninas que tem suas vidas impactadas pela pobreza mundial.
Não bastasse o absurdo do veto presidencial ao direito das mulheres pobres de ter acesso aos absorventes para minimizar a pobreza menstrual, alguns homens em todos os cantos do país se sentiram à vontade para atacar o projeto de várias formas: defender o presidente pela justificativa mentirosa de falta de verba orçamentária para o projeto visto que no projeto é detalhado de onde viria o recurso; que a situação dessas mulheres é frescura e que precisa parar de doar coisas pra elas aprenderem a se virar. Esqueceram esses sujeitos, que não menstruam e nem sentem cólicas menstruais nem constrangimentos quando sua roupa é manchada de sangue da menstruação, que durante a pandemia a desigualdade social se tornou gritante, revelando a pobreza em vários aspectos da vida que afetam as pessoas.
Não se pode fechar os olhos para a pobreza menstrual e fazer de conta que ela não existe. Ela está aí gritante e junto com o sangue que se esvai dos corpos femininos, se esvai, também, a possibilidade de uma vida digna.
Imagem: LabDicasjornalismo.com.br