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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Uma foto desbotada

Ao se aposentar, ela foi se sentindo estranha, pois não recebia mais emails nem convites para reuniões ou festas, não precisava levantar cedo, se arrumar, tomar seu café e enfrentar o trânsito caótico da cidade.

Após uma vida de trabalho e dedicação, a aposentada passou para uma etapa na qual todas as pessoas a parabenizaram. Ela, sempre atenta, não compreendia o motivo dos parabéns, afinal estava parando de exercer sua atividade profissional e os cumprimentos soavam como uma ironia. Muitas vezes, ela se sentia constrangida em dizer que se aposentou. Outras vezes ouvia comentários, até invejosos, do tipo “tão nova e já aposentada”. Nestas ocasiões, ela lembrava do tempo que passou, da tenra idade na qual começou a trabalhar e de toda sua trajetória profissional. Muitas vezes, também, ficava incomodada por não saber o que fazer com todo o conhecimento que adquiriu ao longo da vida e agora não servia pra mais nada.

Passada essa fase inicial, a aposentada começa a praticar esportes e realizar atividades para as quais nunca teve tempo devido à correria no trabalho. Entretanto, ela começou a ter uma outra utilidade, a de motorista e acompanhante familiar, para as quais nunca tivera disponibilidade. A nova função a fez criar uma espécie de apelido, como se fosse um nome novo: “Jaque”, que na realidade, significava “já que você tem tempo” ou “já que você está à toa” e assim ela foi assimilando o novo nome e a nova função.

A nova “Jaque” ao ocupar seu tempo com a atividade imposta,  descobriu que, mesmo com alguma utilidade, ela era invisível em seus anseios e necessidades. Ninguém perguntava se ela estava bem, se precisava de algo, se gostava  de tudo aquilo...até que um belo dia, “Jaque” sumiu. Cansada de não ser notada, ela mudou o corte  e a cor dos cabelos, comprou passagens e resolveu correr o mundo. Muitos pensaram que ela tinha encontrado um novo amor ou que enlouqueceu.

Acostumada, com sua invisibilidade, aos poucos ela esqueceu de si, mudando de lugar em lugar, sem criar raízes até que, num tempo distante e num local longínquo, ela parou de respirar e foi trazida de volta para sua cidade, pra descansar eternamente. Ela não era mais  “Jaque”, nem ninguém, se tornara apenas uma foto desbotada pelo tempo, quase transparente, logo, invisível, como sempre se sentiu.

 Crônica escrita em 14/06/2023 após conversa com algumas mulheres.


 

 

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