Para compartilhar idéias!







sexta-feira, 16 de junho de 2023

O inverno e eu

Nascida no sul do Brasil, acostumada com geadas e temperaturas abaixo de zero grau, eu deveria, nos meus muitos anos de vida, estar confortável quando começa o frio, mas, não estou e não sou. Creio que o inverno e eu tenhamos um problema de incompatibilidade de gênios. Por mais que me agasalhe, não vejo o charme da estação que as pessoas enxergam, sinto apenas o peso das roupas, a cabeça zonza de frio e, claro, o nariz da companheira rinite. Não há echarpe, boina, casaco ou luvas que me acomodem por mais que digam que as pessoas fiquem elegantes com essas vestimentas, penso logo nas olheiras e na pele vermelha queimada pelo vento.

Este ano, resolvi conversar um pouco com o inverno pra ver se chegamos a um acordo, afinal, continuo morando aqui no sul. Falei pra ele que ser paranaense é para os fortes, pois além de diversas outras questões que não vou comentar aqui, numa mesma semana a temperatura poder variar entre 0 a 25 graus. Destaquei que o inverno aqui começa antes da data oficial que é 21 de junho e quem sabe ele poderia atrasar sua chegada para a data.

Ele só deu um sorrisinho maroto quando eu disse que ser paranaense é para os fortes. Com relação a atrasar sua data de chegada, ignorou por alguns segundos e depois soltou uma fala: - não depende de mim, depende dos cuidados com o meio ambiente.

Me assustei, caramba, o inverno entende de meio ambiente, será que é ecologicamente correto? Fiquei animada, fui por esse raciocínio e respondi: - pois é, no inverno a população gasta mais água e mais energia elétrica, por isso você poderia começar na data certa, assim todo mundo estaria preparado. Além do que tem pessoas que vivem nas ruas e sofrem muito.

Outro silêncio acompanhado de um risinho e um discurso dele: - Você está esquecendo do vinho delicioso, do aconchego entre as pessoas, das sopas, das festas juninas, de que os municípios devem estar preparados para atender as pessoas em situação de vulnerabilidade e, principalmente, você esquece que eu fico pelo meu tempo e logo passo o bastão para a primavera que sempre agrada as pessoas, com suas flores, suas cores e sua temperatura amena. 

Fiquei emudecida, coloquei minha boina, peguei as roupas de frio para doar e, depois, falei sorrindo: - você venceu, vou te sentir de outra forma. Ainda bem que chegamos a um acordo. E ele com aquele sorrisinho que me habituei, soprou um vento gelado selando nosso acordo: - Epa, qual acordo?



 

quinta-feira, 15 de junho de 2023

O que significa o processo de cassação das deputadas do PT e do PSOL?

Assisti um vídeo no qual uma deputada argumentava e prestei atenção nos deputados ao redor dela. Um deputado próximo prestava atenção e aplaudiu. Atrás dela haviam vários deputados em pé com olhares de desdém e  risinhos irônicos, mostrando claramente desrespeito e falta de atenção ao que ela apresentava.

Novidade nenhuma neste vídeo para as mulheres que atuam na política pois convivem a todo instante com a violência política de gênero, ou seja, são atacadas por serem mulheres. A gravidade se torna gritante quando são mulheres negras, indígenas, trans ou lésbicas. Em muitos casos, quando as políticas, principalmente, as de partidos mais a esquerda falam, eles agridem verbalmente, ameaçam fisicamente ou ignoram com menosprezo às colegas.

Nesta semana, em um ataque deliberado às mulheres, deputados do PL entraram com pedido de cassação conjunta de seis deputadas do PSOL e do PT, depois pediram cassação individual, os quais foram aceitos pelo presidente da casa, ligado a eles.

O pedido de cassação foi aceito rapidamente para ser julgado e passou na frente de outros pedidos, inclusive de deputados e deputada do PL.

O que está por trás desses pedidos e dessa rapidez no trâmite do pedido de cassação?

As deputadas denunciaram deputados nas discussões sobre o marco temporal que afeta a vida dos povos indígenas, do meio ambiente e do país. Calar a voz das deputadas reforça a misoginia, a violência política de gênero e violência contra os povos indígenas.

O Brasil é um dos países do mundo com menor representatividade de mulheres na política e com alto grau de violência política contra as mulheres. Iniciativas desse tipo reforçam as tentativas de desestimular a participação de mulheres nas esferas de poder, principalmente quando essas mulheres vêm de partidos de esquerda e de movimentos sociais. Há, no entanto, uma deliberada condescendência com alguns casos, com um exemplo claro de uma deputada do PL que saiu correndo armada atrás de um jornalista no período eleitoral e nada aconteceu até o momento.

As mulheres que atuam na política continuam sendo deliberadamente violentadas por terem posturas firmes e convicção naquilo que defendem, seja na esfera municipal, estadual ou federal.

As mulheres são 52% da população, estão em todos dos setores da sociedade, contribuem tanto no setor produtivo como no voluntariado para o desenvolvimento do país. É incoerente com essa participação que o Brasil continue sendo um dos últimos países do mundo em mulheres na política. Por sua vez, os indígenas estavam aqui antes de nós e contribuem para preservar nossas matas, rios e florestas.

Diante desse cenário, até quando vamos permitir que uma elite predadora, machista, misógina, racista e homofóbica composta por homens, em sua maioria brancos e ricos, continue determinando o destino do Brasil e de sua população? 

 

 


 

 

 

 

domingo, 11 de junho de 2023

Tributo às mulheres pioneiras: “Garrei a imaginá” na Academia de Letras de Maringá

Numa manhã ensolarada em 1990, durante a inauguração de nome de rua do meu avô Pioneiro Antônio Tait, observei minha avó Marianna (chamada de D. Maria), que permanecia imóvel com os olhos marejados de lágrimas. Naquele exato instante, passei a refletir sobre as mulheres que acompanharam seus pais ou maridos numa terra nova e agreste em um período no qual não se falava em feminismo nem em participação da mulher na sociedade. Quem eram elas? O que pensavam? Como eram suas vidas? Como se sentiam nessa nova terra? Foram dúvidas que me assaltaram naquele momento.

Passei a pesquisar sobre as pioneiras, embalada, ao mesmo tempo por ser bisneta, neta e filha de pioneiras e ativista em direitos das mulheres. O resultado da pesquisa está publicado com o título: "As excluídas da história: o olhar feminino sobre a formação de Maringá", no livro Maringá e o Norte do Paraná organizado pelos professores José Henrique Rollo e Reginaldo Benedito Dias, pela Eduem, em 1999, com reimpressão em 2006 e em 2020.

A pesquisa foi realizada no ano de 1996 e não havia no município de Maringá a narrativa da história da formação da cidade sob o olhar das mulheres, assim fomos em busca do olhar feminino sobre a construção de Maringá. Para essa pesquisa contamos, também, com o apoio do Patrimônio Histórico da Prefeitura de Maringá. 

Chamou a atenção, nas entrevistas para a pesquisa, o amor e o carinho que as mulheres pioneiras sentem pela cidade como uma forma de pertencimento a um local que viram crescer a partir da mata e se transformar em uma cidade com qualidade de vida reconhecida no país.

Excluídas do processo de tomada de decisão e de presença nos espaços de poder político, as mulheres na história de Maringá trazem a narrativa de sua presença marcada por fatos como a preocupação de criar os filhos em uma terra agreste e repleta de jagunços, a insegurança em relação ao futuro, a lavagem das roupas no rio, a moagem do café, a roupa empoeirada no varal, as passeatas e as brigas dos políticos, os bailes no Hotel Bandeirantes, entre outros elementos que nos conduzem ao modo de vida no início da cidade de Maringá.

Finalmente, as mulheres pioneiras são sempre lembradas, homenageadas como nomes de ruas, nomes de escola, em desfiles do aniversário da cidade e em pesquisas científicas sobre sua presença na formação da cidade. 

Lembro muito emocionada quando a minha avó Marianna Spinelli Tait foi homenageada pela Secretaria da Mulher em desfile da cidade e tanto ela como a vó Angela Bulla Calvi foram homenageadas como nomes de ruas.  Lembro da Dona Augusta Gravena me contando como era a diferença em criar os filhos no sítio e na cidade, da Dona Lucia Vilella Pedras me falando dos livros que pediu ao pai quando veio para cá e do barro vermelho, da professora Odete Alcantara Rosa me mostrando suas fotos organizadas em álbuns e me falando da vida na cidade, da vó Angela me contando que as mulheres eram trazidas pelos maridos ou familiares sem nem saber o que encontrar, da vó Marianna me dizendo da poeira e da solidariedade entre as pessoas, entre tantas histórias.

Algumas das entrevistadas na pesquisa faleceram enquanto outras estão recolhidas aos seus lares, no entanto, suas contribuições para a história da cidade permanecem, completando dessa forma o cenário em que a cidade foi construída, com a visão das mulheres, seus anseios e angústias.

Nas entrevistas, muitas vezes eu me emocionava com elas, afinal elas abriram as portas de suas casas e de suas vidas e, puderam, finalmente, revelar o seu olhar sobre a construção de Maringá, perpetuando sua narrativa na história da cidade que contribuíram para nascer, crescer e se tornar a cidade que é.

Sinto alegria e emoção por ter conhecido essas mulheres e sua força, seus medos, sua esperança e seu amor pela cidade que construíram junto aos seus. Me sinto comprometida com elas e suas histórias.

Finalmente, “pra nunca se esquecesse”, me sinto feliz quando passeio pelas ruas da cidade de Maringá e encontro nomes de rua começando com “Rua Pioneira...”. 

Sorrio e penso: “elas merecem!!!”.

 Esta crônica foi apresentada por mim na reunião da Academia de Letras de Maringá, no dia 04 de junho de 2023, a convite da poetisa Railda Masson e da escritora Eliana Palma.

 Uma versão desta crônica com o título: “Tributo às mulheres pioneiras”  foi publicada em 10 de maio de 2019, como homenagem às pioneiras por ocasião do aniversário de Maringá.

“Garrei a imaginá” e “Pra que nunca se esquecesse” são frases da Música Maringá, do compositor Joubert de Carvalho, de 1932. Essas e outras frases da música  foram utilizadas como títulos no artigo “As excluídas da história: o olhar feminino sobre a formação de Maringá” publicado no livro Maringá e o Norte do Paraná.