Na militância pelos
direitos das mulheres desde os anos 1980, vivi e vi muitas situações, algumas
tristes, algumas animadoras. Entretanto, independente da caracterização emocional da situação,
tínhamos o sentimento de evolução e de conquistas. Assim foi com a promulgação da Constituição
Federal em 1988, a qual, em seu artigo 5º., iguala mulheres e homens em
direitos e obrigações; com a criação das Delegacias da Mulher; a promulgação da
Lei Maria da Penha; o Pacto pelo enfrentamento à violência contra a mulher; a
criação de organismos do setor público responsáveis por políticas públicas para
mulheres; a promulgação da Lei do Feminicídio, para citar algumas ações.
Entretanto, desde o golpe
impetrado contra a ex-presidente Dilma Roussef, a percepção de alcance e
fortalecimento de conquistas foi-se esmorecendo, a começar com o ex-presidente
seguinte, Michel Temer com governo composto por homens, brancos. Seu sucessor,
Jair Bolsonaro piorou ainda mais a situação, com o corte no orçamento de
combate à violência contra a mulher, o incentivo ao armamento que se torna
perigoso para as mulheres e uma propalada misoginia e machismo, desde as falas governamentais
desqualificando a população feminina até o corte no orçamento público e nos
organismos de combate à violência doméstica. Número de agressões e o
feminicídio aumentaram e a vida das mulheres tornou-se mais dificultada, nos últimos 4 anos, a
despeito da promulgação da Lei de Importunação Sexual e da Violência Psicológica.
Com o governo Lula, em
seu terceiro mandato, a partir de 2023, as políticas públicas para mulheres
voltaram a fazer parte da agenda governamental, com a recriação do Ministério
de Políticas Públicas para Mulheres. Destaque para a lei de igualdade salarial
entre mulheres e homens no exercício da mesma função. O Estado do Paraná
pressionado pelas ações na política e movimentos de mulheres criou a Secretaria
Estadual de Políticas para Mulheres, no mandato do governador reeleito.
Em Maringá, no noroeste
do Paraná, uma cidade que conta com mais de 400 mil habitantes, a situação não
foi diferente. Em 2001 foi criada a Assessoria da Mulher, transformada em Secretaria
Municipal em 2005; existe Delegacia da Mulher desde os anos 1990, foi criada e
fortalecida a rede de atendimento, prevenção e combate à violência contra a
mulher; as entidades de direitos das mulheres atuam pelo menos faz 2 décadas,
enfim existe uma estrutura para propor, fiscalizar e manter as políticas
públicas para mulheres.
Se as coisas estão voltando
aos eixos, como deve ser, no combate à violência contra a mulher e pelos
direitos das mulheres, por que o desabafo de uma ativista feminista?
Parece que todo esse
tempo de estabelecimento de políticas públicas e avanços na área de direitos
das mulheres pouco alterou a cultura do machismo na sociedade brasileira. Isso
se vê claramente nos assédios em local de trabalho, o aumento de agressões e
feminicídio, a prática da misoginia e ataques às mulheres.
Um fato específico que
chamou a atenção aconteceu em Maringá, onde a Câmara de Municipal aprovou, recentemente, uma
homenagem com nome de próprio público a um ex-vereador falecido em 2021, preso
por 10 dias por agressão à mulher em 2019, passou por duas comissões de inquérito
e não foi reeleito.
Como bem explicitou o
Fórum Maringaense de Mulher com apoio do Conselho Municipal dos Direitos da
Mulher, esta aprovação da Câmara “dá um aval para que agressores de mulheres saiam
impunes de seus crimes e ainda sejam homenageados”.
O legislativo
maringaense, neste episódio, alertou para o machismo que ainda está presente em
nossa sociedade, a despeito de tantas lutas e ações de combate à violência
contra a mulher e pelos direitos. Obviamente, sempre percebemos o desdém por
parte de alguns vereadores em todas as vezes que a Tribuna da Câmara foi
utilizada, seja para falar em nome das entidades da sociedade civil ou do
Conselho da Mulher ou mesmo com as representantes da Secretaria da Mulher.
Mesmo apresentando dados
consistentes a respeito da situação das mulheres, seja no mundo do trabalho,
nas escolas, nas ruas ou no ambiente familiar, alguns legisladores simplesmente
ignoravam ora entretido em seus celulares ora fazendo “cara de paisagem”, como
se tudo aquilo não lhes dissesse respeito e se esquecendo que o poder
legislativo tem responsabilidade para
garantir às pessoas uma vida digna com políticas públicas que contribuam para a
qualidade de vida da população.
Certos legisladores não
percebem ou não tem interesse em perceber que medidas, aparentemente simples, podem
impactar na sociedade. Enfim homenagear alguém que, no passado, sendo também legislador
faltou com o decoro parlamentar, está, implícita e explicitamente, informando à
população que cada um pode fazer o que bem entende e que a lei não poderá
atingi-los, principalmente quando se trata de atacar as mulheres.
Particularmente, lembrei
das inúmeras vezes que eu ocupei aquela Tribuna e, com este episódio da
homenagem, fui invadida por uma tristeza profunda por confirmar que a maioria
dos vereadores ignorou, na prática, completamente a nossa luta de décadas pelos
direitos das mulheres, quando muitos deles nem pensavam em atuar na política.
O lado positivo, se é que existe, deste
triste episódio é que sabemos efetivamente com quem podemos contar no combate árduo
e cotidiano à violência contra a mulher e que teremos mais possibilidade de eleger
em 2024, mulheres e homens que, realmente, sejam parceiros neste combate que é
de toda a sociedade.
Que venham novos ares na
política maringaense!