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terça-feira, 2 de junho de 2020

A pandemia revela mais um lado obscuro no uso da Internet: a desigualdade social


A Internet, conhecida como a rede mundial de computadores, desde o seu nascimento secreto até sua abertura comercial trouxe esperanças na área de comunicação e de aproximação entre as pessoas dispersas em vários lugares pelo mundo. Por meio da Internet, atividades de lazer, entretenimento, pesquisas, negócios, entre outras puderam ser viabilizados em tempo e velocidades nunca vistos.
Alguns pontos negativos, também, surgiram no meio eletrônico tais como a disseminação da pedofilia, os crimes financeiros, os golpes ditos amorosos, entre outros crimes que encontraram na rede digital um campo fácil e fértil de propagação. Inclusive, leis foram criadas ao longo do tempo para conter os chamados crimes digitais. Dessa forma, os problemas a partir do mau uso das redes sociais digitais tornaram-se públicos.
Dentro desse cenário, a pandemia trouxe mais elementos a serem avaliados ao tratar do uso da rede mundial, com o aumento da busca por serviços e pelo tempo maior de utilização.  Especialmente, duas situações chamam a atenção: a busca pelo auxílio emergencial e o ensino remoto.
A busca pelo auxílio emergencial colocou como forma de solicitação o aplicativo via celular ou computadores. O governo criou uma estrutura de atendimento para solicitações e acompanhamento que se tornou muito lenta, trouxe dúvidas em sua avaliação para os que deveriam receber o benefício e desconfiança do recebimento dos valores.  
O ensino remoto nas escolas públicas e privadas, do ensino fundamental ao ensino médio foi estabelecido para que os estudantes não perdessem o conteúdo das aulas. Além da possibilidade de causar stress em professores e alunos, o governo não considerou para o ensino remoto, a situação econômica dos envolvidos, o uso dos instrumentos para as aulas e nem o processo de ensino-aprendizagem.
Assim, ao necessitar do uso da Internet, brasileiros tiveram dificuldades de acessar o aplicativo para buscar o auxílio emergencial e estão tendo dificuldades para acompanhar o ensino remoto.
Confirmou-se o que era sabido: a Internet não chega da mesma forma ou não chega a todos os cantos do Brasil.
Segundo reportagem da UOL veiculada no mês de maio, 70 milhões de brasileiros tem acesso precário ou não tem acesso à Internet, o que representa 30% da população brasileira, principalmente moradora das periferias das grandes cidades e da zona rural.
Ainda de acordo com a pesquisa, 42 milhões de brasileiros nunca acessaram a Internet. Das classes sociais C e D conectadas, 85% acessam a Internet pelo celular com pacotes limitados que inviabilizam ações como download ou videoaulas.
Um ponto a ser considerado, também, ao tratar do alcance da Internet, é o aumento do consumo da informação pelo estudo e trabalho em casa, ocasionando mais lentidão e queda de sinal da rede.
Talvez com a pandemia, esse lado da Internet, que exclui parcela considerável da população seja revisto e tanto governos como empresas de telecomunicações passem a adotar medidas que levem a rede a locais mais remotos e a usuários mais carentes.
Quem sabe a rede mundial de computadores possa, assim, reduzir o abismo que existe entre a população das periferias e o acesso à tecnologia de informação e comunicação.
Mesmo diante da pandemia e das desigualdades mais expostas, sonhar com um mundo justo, fraterno e igualitário é possível com inclusão da tecnologia a serviço da vida.

Tania F C Tait, professora doutora aposentada do Departamento de Informática da UEM, coordenadora da Ong Maria do Ingá Direitos da Mulher
                                                                                                                       

sexta-feira, 22 de maio de 2020

A geração do medo

Nasci em 1961, vi muita coisa com esse meu olhar hipermétrope de menina otimista, que teve paralisia infantil com 1 aninho de idade, usa óculos desde os 5 aninhos, que tem pernas grossas por genética e por muitos cuidados da minha mãe e do meu pai com massagens, uso de bota ortopédica até a adolescência e a pratica de esportes.
Ontem, estarrecida com o aumento de mortes no Brasil que poderia ter sido evitado afinal tínhamos a experiência do que aconteceu na Europa e era simplesmente seguir os protocolos, comecei a pensar na minha vida e da minha geração. Me veio à mente que somos a “geração do medo”.
Aqueles(as) que são mais velhos(as) irão compreender mais facilmente o que vou tratar aqui. Aos demais, espero que sirva como aprendizado.
Penso na minha geração com foco em três pontos: saúde, política e moral. Os pontos são para efeito didático pois eles se entrelaçam o tempo todo.
Como eu escrevi no início, tive paralisia infantil, a temida poliomielite nos anos 1960. Nascida em Maringá, fui socorrida a tempo. Maringá tinha apenas 14 anos quando nasci, imaginem como era esse “el dorado” na época. Nem vou contar que tive difeteria (crup), sarampo dos bravos, tosse comprida (parece que isso não existe mais) e muita rinite alérgica.
No entanto, hoje sei que não era só eu. Essa foram doenças comuns na época e, muitas vezes, escondidas dos governos que não tinham nem estrutura para atendimento nem remédios ou vacinas. Aliás, vacina pra minha mãe, é uma questão de honra. Ela nem titubeia quando mandam vacinar e sempre incentivou toda a família. Imagino que ela deva ter sentido muito mais o peso da falta de atendimento à saúde na época do que a minha visão de criança que estava sendo cuidada.
No período da ditadura militar, teve o surto da meningite, escondida pelo governo até que começa a vacinação em massa da população. Muitas vidas se perderam por conta da postura do governo militar. Viu como a política aparece em nossas vidas, sempre.
Na adolescência da minha geração, havia um forte apelo moral para as moças se cuidarem para não ficarem mal faladas ou não engravidarem. Mesmo diante da emancipação das mulheres, o controle sobre os corpos e mentes das meninas persistia patrocinado pelas famílias, pelas igrejas e sociedade em geral. Lembram que tinha a novela das 10 que a gente não podia assistir por que era mais “pesada”?.
Não se pode esquecer o medo da ditadura militar que pairava no imaginário e na realidade de muitas pessoas. Professores eram obrigados a pular certas partes da história, a não comentar episódios nacionais e a se manter em silêncio diante de perguntas dos alunos referentes a situação atual.
No auge da abertura democrática (anos 1980) e com ares de mais liberdade, aparece a AID-HIV, trazendo com ela toda a carga de preconceito enraizada na sociedade brasileira com a homossexualidade, considerada, inicialmente, a única forma de transmissão. Novamente, muitas vidas se perderam até que se encontrasse um remédio para tratar a doença.
Mas, aí o medo se implantara, no sexo e nas relações pessoais, colocando em xeque a situação dos relacionamentos. Paralelo a esse medo, enfrentamos um outro, a terrível inflação. Quantos de nós presenciamos a cena de funcionários de mercado mudando as etiquetas com aumento do preço das mercadorias enquanto estamos comprando. Nessa época quem tinha condições financeiras, estocava produtos pois sabia que no dia seguinte o preço teria subido, enquanto o salário não acompanhava. Teve até o “seja fiscal do Sarney”.
Na sequência, tivemos as poupanças confiscadas pelo Collor, vimos nosso dinheiro sumir na época com os cortes do Pano Real e nos assustamos com a privatização do setor público em áreas estratégicas feitas pelo FHC. Respiramos um pouco nos governos Lula e Dilma pela implementação de políticas públicas, mas nos preocupamos com o mensalão no governo Lula, vimos os ataques da imprensa ao MST, as greves de trabalhadores (as) e a presidente Dilma. No caso da presidente Dilma, vimos ataques sexistas vindo, principalmente, de diversos setores conservadores da sociedade, exalando todo seu machismo. Sofremos com a retirada dos direitos trabalhistas nos governos Temer e Bolsonaro.
O combate a violência contra a mulher firmou-se no país com a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2014), mas o Brasil continua sendo um país inseguro para as mulheres que, ainda, andam nas ruas e dentro de suas próprias casas, com medo. Medo, também, que acompanha homossexuais, negros e indígenas nesse país preconceituoso e racista.
Tivemos medo com o H1N1, com a gripe A e agora estamos com muito medo do coronavírus, cuja pandemia por si só, causa insegurança devido  a milhares de mortes. No nosso caso, o medo aumenta por conta de um governo negacionista que estimula a proliferação da doença e não apoia as medidas protocolares da Organização Mundial de Saúde e nem da ciência.
Hoje entendo que o slogan da campanha do Lula, “sem medo de ser feliz” não veio do nada, certamente a equipe que bolou a chamada capturou o medo que caminha com o povo brasileiro diante da falta de continuidade de políticas públicas sérias que melhorem sua vida. 
Um povo que é subjugado por questões morais e religiosas que camuflam o domínio de uma elite predadora que visa apenas o lucro, não importa quem e como o traga desde que esteja lhe favorecendo.
No entanto, como aquela menina otimista que viu muita coisa, eu afirmo com convicção, somos um povo guerreiro que vai ser feliz de novo.



quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os sabores em nossas vidas



A quarentena devido a pandemia do coronavírus fez com que muitas pessoas se envolvessem com a arte milenar da cozinha.
No meu caso, em particular, a cozinha tornou-se uma experiência interessante pois com a minha mãe em casa, aproveitei o tempo para aprender aqueles pratos familiares que eu sempre saboreei muito, como o tradicional macarrão com sardinha.
Além do aprendizado regado a conversas sobre o passado, sobre meus avós maternos e paternos, veio-me a lembrança de vários tipos de comidas que eram feitos pelas famílias e em família.
Tenho muitos exemplos de comidas de família, um deles é a confecção da pamonha, na qual todos tem uma tarefa, desde as mais complexas do cozimento até as mais simples, como embrulhar e amarrar a pamonha. Outro é a torra do café, com aquele perfume delicioso envolvendo o ambiente, ou, melhor, os quintais. Tinha também a garapa, a linguiça calabresa que meu avô fazia, os ovos enormes naquele omelete  saboroso, aquele bife na chapa de fogão a lenha, preparados pela minha avó do sítio, o arroz doce e o manjar da minha mãe e o doce de mamão que minha mãe e meu pai faziam e a lista vai crescendo. E aquela macarronada espetacular da vó da cidade. Era assim mesmo que chamávamos, nos referindo as avós, a vó Angela era a “vó do sítio” e a vó Maria (Marianna) era a “vó da cidade”.
Dá pra perceber que esse é o lado da tradição rural que permanece nas gerações e nas histórias da família. São sabores que, certamente, não sentirei mais, tanto pelos avós que não estão entre nós, como pelos produtos e seus componentes não industrializados como nestes novos tempos que, mesmo que combinados, não dariam aquele sabor da minha infância e adolescência.
Essa lembrança dos sabores culminou nesta semana, com outro sabor da infância, a fruta cajá-manga (foto abaixo). Recebi de presente da minha prima-irmã e ao cortar a fruta veio aquele perfume familiar que me fez retornar ao passado. Escrevi sobre ele, fotografei e coloquei no Facebook, atiçando a lembrança de primos e primas, afinal o pé de cajá-manga ficava no quintal da vó da cidade e a meninada adorava.
A comida ou a bebida, seja um prato especial, uma fruta ou um cafezinho não é apenas comida ou bebida. Elas carregam em sim, com seus sabores e perfumes, as lembranças das pessoas, dos fatos e dos tempos idos. Tenho uma lista de amigas e amigos, com seus cafés, bolos de cenoura, tortas e feijões que proporcionam deliciosos momentos que retornarão assim que essa pandemia passar.
Uma vez li que se uma determinada comida causa indisposição estomacal ou estiver ligada a fatos tristes, a mera menção aquela comida, traz à tona a mesma sensação e por isso, não aguentamos comer novamente.
Por outro lado, a minha experiência me ensinou que os sabores e perfumes podem nos fazer lembrar de momentos lindos que estavam adormecidos em algum canto de nossas vidas.
Os sabores e perfumes permanecem nas nossas mentes e corações e basta um simples cheiro ou gosto para nos transportar para o passado como aquele perfume do cajá-manga que me levou para décadas atrás, no quintal da casa da vó Maria.