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terça-feira, 4 de maio de 2021

Olhar de menina e de mulher nos 74 anos de Maringá

Nascida em Maringá, bisneta, neta e filha de pioneiros e pioneiras, tanto pelo lado materno como paterno, cresci ouvindo as histórias do início da formação da cidade.

Menina curiosa, sempre prestava atenção e fazia perguntas para a família.  Ouvi muito sobre as toras de árvores colocadas no meio da Avenida Brasil no bairro Aeroporto, da poeira nas roupas no varal, da água retirada do poço, das correntes nas rodas dos caminhões e das carroças pra atravessar o lamaçal de barro (pra quem não conhece, nem imagina como é grudento) e tantos detalhes do cotidiano que, hoje, nem parece que existiram.

Me encantava imaginar a solidariedade entre as pessoas vindas de vários lugares do Brasil e a coragem para enfrentar uma terra agreste num novo mundo. Ao mesmo tempo me entristecia ao pensar na devastação da natureza para construir nossa região.

Conforme Maringá e eu íamos crescendo (nasci em 1961) comecei a conhecer a realidade da nossa terra. Morei muitos anos na Rua Néo Alves Martins quase esquina com a Av. Laguna (extensão da Av. Pedro Taques). Na época havia uma brincadeira de falar que morávamos na divisa entre o centro da cidade e a Vila Operária.

Lembro bem que nos anos 1970, no nosso tempo de crianças e adolescentes, naquele espaço, havia uma corda invisível, que nos fazia circular a pé ou de bicicleta, num pequeno trecho da Vila Operária, na Zona 02, no centro, num trecho da zona 4, numa parte do bairro Aeroporto e numa pequena parte da Vila Sete.

Entretanto, a minha visão da cidade começou a mudar quando fomos realizar uma atividade da Escola Osvaldo Cruz sobre o analfabetismo.  

A professora dividiu a Vila Operária em quadras e cada dupla de estudantes ia de casa em casa perguntando quantas pessoas moravam, qual o grau de instrução etc. A quadra que ficamos encarregadas era repleta dos famosos cortiços (casa agrupadas num mesmo terreno, às vezes, com um banheiro única para todas as casas). Minha colega e eu ficamos perplexas por encontrar tanta criança com barriga d´água, pessoas analfabetas e casas muito pobres.

Aquela experiência em plena adolescência me fez mudar o olhar. Meus pais sempre trabalharam muito. Tivemos uma vida simples e modesta, com as despesas compartilhadas com o caminhão do meu pai, mas nem de longe passávamos o que aquelas famílias que entrevistamos passavam. Foi perturbador conhecer essa triste realidade a tão poucas quadras de onde morávamos.

Anos depois, li num texto do Patrimônio Histórico sobre a segregação na criação de Maringá, com bairros organizados: um bairro para receber operários (por isso o nome Vila Operária), outros para receber profissionais liberais como médicos e comerciantes, outra para a prostituição e assim por diante. Com essa leitura, passei a compreender tudo aquilo que eu presenciara na adolescência.

Adulta, participei da inauguração da rua com o nome do meu avô Antonio Tait. Na época fizeram uma cerimônia com descerramento de placa, discursos e tudo mais. Num dado momento observei minha avó Marianna e pensei: e ela que trabalhou tanto, será homenageada também nesse lugar que criara o mito do pioneiro herói homem? Ali foi o embrião para minha primeira pesquisa sobre mulheres pioneiras.

Assim, tive a grata oportunidade de realizar duas pesquisas emocionantes: as excluídas da história, em 1996 e mulheres na ditadura militar, em 2017.

Na primeira pesquisa, entrevistei mulheres pioneiras que narraram seus medos e anseios, trazidas por seus maridos ou pais, distante do conforto e da segurança de seus locais de origem. Com elas, eu soube dos bailes do Hotel Bandeirantes, da rádio, das escolas, do medo que sentiam dos jagunços e capangas que por aqui andavam, da rodoviária empoeirada, entre tantas outras situações que mostram como era a vida por aqui. Com elas, eu me emocionei com cada comentário e cada foto.  O resultado dessa pesquisa está no livro Maringá e o Norte do Paraná, organizado pelos professores Reginaldo Dias e Henrique Gonçalves, de 1999 (EDUEM).

A segunda pesquisa foi no meu pós-doutorado sob supervisão da professora Ivana Simili e do Professor Reginaldo Dias, na UEM. Aqui tratamos de um outro olhar no qual pude conhecer e narrar a história de mulheres maringaenses que atuaram no campo de luta contra a ditadura militar. Elas foram transgressoras ao atuarem na vida política numa época em que a elas era destinado o papel de serem esposas e mães, silenciadas no ambiente doméstico. O resultado dessa pesquisa está no meu mais recente livro “As mulheres na luta política” (Editora CRV).

Tenho um profundo sentimento de gratidão à essas mulheres que abriram seus corações, suas vidas e me tornaram guardiã das suas histórias, as quais fazem parte das narrativas da história de Maringá.  

Agora, revisitando meus olhares de menina e de mulher, afirmo com convicção que as mulheres fizeram e fazem muito, combinando a força e a experiência dos anos vividos com a energia e o arroubo da juventude.

No entanto, algo falta na narrativa da história das mulheres maringaenses.

Falta o percentual que nos cabe de direito no legislativo correspondente aos 52% que somos da população e falta a presença de uma mulher no executivo. Afinal, em 74 anos de história, nunca tivemos nem prefeita nem vice-prefeita.

Diante de tantas adversidades, chegamos até aqui e está mais do que chegada a hora da cidade fazer valer seu nome de mulher e a força que dele emana.

 

·         Tania Fatima Calvi Tait, maringaense, professora, escritora, doutora em engenharia de produção com pós-doutorado em História das Mulheres. Integrante da Ong Maria do Ingá Direitos da Mulher, foi Presidente do Conselho da Mulher (2017-2019) e do Fórum Maringaense de Mulheres (2013-2015).

 

 Imagem extraída de: g1.globo.com

5 comentários:

  1. Excelente artigo Tania! Parabéns!

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  2. Maravilhoso texto. Estou incluindo muitas mulheres que contribuíram para Maringá em minhas pesquisas sobre as pioneiras e pioneiros. Desde os anos 1930. Parabéns!!!

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  3. Olá Cecílio, temos o artigo publicado no livro Maringá e o Norte do Paraná (As excluídas da história: o olhar feminino sobre a formação de Maringá) e o meu livro As mulheres na luta política.

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  4. Que belo texto, a mistura perfeita do romantismo das histórias de adolescência e o olhar crítico sobre toda a história. Texto delicioso de se ler e refletir.

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