Nasci em 1961, vi muita
coisa com esse meu olhar hipermétrope de menina otimista, que teve paralisia
infantil com 1 aninho de idade, usa óculos desde os 5 aninhos, que tem pernas
grossas por genética e por muitos cuidados da minha mãe e do meu pai com
massagens, uso de bota ortopédica até a adolescência e a pratica de esportes.
Ontem, estarrecida com o
aumento de mortes no Brasil que poderia ter sido evitado afinal tínhamos a
experiência do que aconteceu na Europa e era simplesmente seguir os protocolos,
comecei a pensar na minha vida e da minha geração. Me veio à mente que somos a “geração
do medo”.
Aqueles(as) que são mais
velhos(as) irão compreender mais facilmente o que vou tratar aqui. Aos demais,
espero que sirva como aprendizado.
Penso na minha geração
com foco em três pontos: saúde, política e moral. Os pontos são para efeito
didático pois eles se entrelaçam o tempo todo.
Como eu escrevi no início,
tive paralisia infantil, a temida poliomielite nos anos 1960. Nascida em
Maringá, fui socorrida a tempo. Maringá tinha apenas 14 anos quando nasci, imaginem
como era esse “el dorado” na época. Nem vou contar que tive difeteria (crup),
sarampo dos bravos, tosse comprida (parece que isso não existe mais) e muita
rinite alérgica.
No entanto, hoje sei que
não era só eu. Essa foram doenças comuns na época e, muitas vezes, escondidas
dos governos que não tinham nem estrutura para atendimento nem remédios ou
vacinas. Aliás, vacina pra minha mãe, é uma questão de honra. Ela nem titubeia
quando mandam vacinar e sempre incentivou toda a família. Imagino que ela deva
ter sentido muito mais o peso da falta de atendimento à saúde na época do que a
minha visão de criança que estava sendo cuidada.
No período da ditadura
militar, teve o surto da meningite, escondida pelo governo até que começa a
vacinação em massa da população. Muitas vidas se perderam por conta da postura
do governo militar. Viu como a política aparece em nossas vidas, sempre.
Na adolescência da minha
geração, havia um forte apelo moral para as moças se cuidarem para não ficarem
mal faladas ou não engravidarem. Mesmo diante da emancipação das mulheres, o
controle sobre os corpos e mentes das meninas persistia patrocinado pelas
famílias, pelas igrejas e sociedade em geral. Lembram que tinha a novela das 10
que a gente não podia assistir por que era mais “pesada”?.
Não se pode esquecer o
medo da ditadura militar que pairava no imaginário e na realidade de muitas
pessoas. Professores eram obrigados a pular certas partes da história, a não
comentar episódios nacionais e a se manter em silêncio diante de perguntas dos
alunos referentes a situação atual.
No auge da abertura
democrática (anos 1980) e com ares de mais liberdade, aparece a AID-HIV, trazendo com ela toda
a carga de preconceito enraizada na sociedade brasileira com a
homossexualidade, considerada, inicialmente, a única forma de transmissão.
Novamente, muitas vidas se perderam até que se encontrasse um remédio para
tratar a doença.
Mas, aí o medo se implantara,
no sexo e nas relações pessoais, colocando em xeque a situação dos
relacionamentos. Paralelo a esse medo, enfrentamos um outro, a terrível
inflação. Quantos de nós presenciamos a cena de funcionários de mercado mudando
as etiquetas com aumento do preço das mercadorias enquanto estamos comprando.
Nessa época quem tinha condições financeiras, estocava produtos pois sabia que
no dia seguinte o preço teria subido, enquanto o salário não acompanhava. Teve
até o “seja fiscal do Sarney”.
Na sequência, tivemos as
poupanças confiscadas pelo Collor, vimos nosso dinheiro sumir na época com os
cortes do Pano Real e nos assustamos com a privatização do setor público em
áreas estratégicas feitas pelo FHC. Respiramos um pouco nos governos Lula e
Dilma pela implementação de políticas públicas, mas nos preocupamos com o
mensalão no governo Lula, vimos os ataques da imprensa ao MST, as greves de
trabalhadores (as) e a presidente Dilma. No caso da presidente Dilma, vimos
ataques sexistas vindo, principalmente, de diversos setores conservadores da
sociedade, exalando todo seu machismo. Sofremos com a retirada dos direitos
trabalhistas nos governos Temer e Bolsonaro.
O combate a violência
contra a mulher firmou-se no país com a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do
Feminicídio (2014), mas o Brasil continua sendo um país inseguro para as mulheres que,
ainda, andam nas ruas e dentro de suas próprias casas, com medo. Medo, também,
que acompanha homossexuais, negros e indígenas nesse país preconceituoso e racista.
Tivemos medo com o H1N1, com
a gripe A e agora estamos com muito medo do coronavírus, cuja pandemia por si
só, causa insegurança devido a milhares
de mortes. No nosso caso, o medo aumenta por conta de um governo negacionista
que estimula a proliferação da doença e não apoia as medidas protocolares da
Organização Mundial de Saúde e nem da ciência.
Hoje entendo que o slogan
da campanha do Lula, “sem medo de ser feliz” não veio do nada, certamente a
equipe que bolou a chamada capturou o medo que caminha com o povo brasileiro
diante da falta de continuidade de políticas públicas sérias que melhorem sua
vida.
Um povo que é subjugado por questões morais e religiosas que camuflam o
domínio de uma elite predadora que visa apenas o lucro, não importa quem e como
o traga desde que esteja lhe favorecendo.
No entanto, como aquela
menina otimista que viu muita coisa, eu afirmo com convicção, somos um povo
guerreiro que vai ser feliz de novo.