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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Três Décadas da Trajetória de uma Mulher na Computação

A primeira vez que ouvi um comentário, feito por um gerente, diferenciando mulheres e homens na computação: “prefiro mulheres em análise de sistemas, pois são mais detalhistas que os homens”, fiquei analisando se isso era bom ou mau. Dentro do contexto, o comentário parecia valorizar uma característica que as mulheres desenvolveram ao longo dos séculos, que é enxergar o todo e executar várias tarefas ao mesmo tempo. Estávamos em 1985, iniciando a abertura democrática no país. Neste período criaram-se as Delegacias da Mulher para atender mulheres vítimas de violência.
Na segunda vez que ouvi um comentário sobre a questão de gênero, dito por um professor: “vocês meninas deviam ir fazer outro curso, computação é para homem”, considerei muito grave. A indignação foi geral... tratava-se de um professor- empresário. Já eram os anos 1990 e, em 1995, realizou-se a Conferência Internacional da Mulher, na China, a qual mobilizou mulheres do mundo todo na luta pelo fim da discriminação, por liberdade e direitos humanos.
Esses foram os únicos comentários explícitos que ouvi durante minha vida como profissional em uma trajetória que pode ser a de muitas mulheres na área de computação ao longo de 30 anos, iniciada em 1979, como aluna do curso de Processamento de Dados de uma universidade pública.
Naquele período, por incrível que possa parecer, não percebi diferença no número de meninos e meninas no curso, nem discriminação nas aulas por sermos meninas. Apenas o que notava era que nos olhavam como se fossemos uma espécie de “gênios”. O equipamento da universidade era um computador IBM 360 e nossos programas escritos em cartões perfurados.
Ao terminar o curso, fui trabalhar em uma empresa que adquirira um equipamento COBRA 530, o qual era fruto da lei de reserva de mercado e do incentivo à produção nacional. Já estávamos nos anos 1980. Foi emocionante desenvolver programas para uso de informações em telas de computador. Ainda era programação estruturada e as linguagens de programação eram o COBOL e o RPG. A equipe toda era composta por mulheres, inclusive a gerente do centro de processamento de dados.
Depois fui contratada por outra empresa como analista de sistemas. O equipamento era, também, mainframe e a estrutura centralizada. Nessa empresa ouvi o primeiro comentário diferenciando mulheres e homens profissionalmente.
Nesse período, após ter ministrado aulas na universidade, optei pela carreira acadêmica. Houve um período de aprendizado, após anos de mainframe, pois nos laboratórios de ensino eram utilizados microcomputadores. Vale lembrar que tive meu primeiro contato com a rede de computadores, a BITNET. Nesse ambiente ouvi a discriminação mais forte colocando as meninas “fora da área de computação”.
Em meados dos anos 1990, criamos o Museu do Computador e no site incluímos o item participação feminina na computação, com uma lista das mulheres que atuaram na área como Ada Byron, Grace Hooper, entre outras. Algumas pessoas estranharam a iniciativa, mas como eu já atuava em movimentos sociais na área de direitos da mulher, consideraram natural que o tema fosse incluído no museu. Aqui entramos na era da Internet.
Após período de afastamento para pós-graduação pude confirmar a ausência de mulheres na área tecnológica. No retorno à universidade, notei que as turmas do curso de Ciência da Computação estavam com poucas meninas. Fiquei curiosa e realizei um levantamento no período de 1998 a 2007, junto ao setor de assuntos acadêmicos para verificar a situação. Do total de 11 ingressantes meninas no vestibular de 1998 em uma turma de 40 alunos, o número foi caindo a cada ano, a ponto de chegar em 2007 com duas ingressantes no curso.
Também, de 2001 a 2003 atuei como diretora de informática em uma prefeitura e pude sentir a resistência de alguns homens que não aceitam serem chefiados por mulheres. No setor público, devido a um plano de cargos e salários o valor da remuneração de mulheres e homens é o mesmo para as mesmas funções.
Entretanto, no ambiente empresarial, a situação é contrária, pois ainda prevalece a diferença salarial e a não prioridade na escolha de mulheres em cargos de direção. Como representante da universidade no Arranjo Produtivo Local de Software me deparei com a ausência de mulheres, principalmente em reuniões dos gerentes e diretores, nas quais, eu era a única representante.
A partir de 2005 começa a haver uma preocupação com a pouca presença de mulheres na computação e surgem iniciativas tanto em nível nacional como internacional. Dentro desse cenário, procuramos sempre colocar a discussão em disciplinas como Informática e Sociedade, cujo conteúdo possibilita relacionar os problemas da área de computação.
Ao longo desses 30 anos, tive oportunidade de vivenciar a evolução da informática e, ao mesmo tempo, acompanhar a participação das mulheres e o declínio de sua presença na área. A lição que aprendi é manter forte a convicção de que as mulheres podem ocupar todos os lugares e as profissões que desejarem. Também aprendi que devemos estar sempre atentas aos pequenos comentários que, em sua totalidade, retratam uma visão machista de sociedade que ainda pensa na mulher no papel de passiva exercendo apenas as atividades ditas femininas do cuidar e educar.
Além disso, estou convicta que nós devemos desenvolver ações afirmativas que incentivem as mulheres a ter presença ativa, também, na área de computação. Essas ações somam-se a tantas outras que contribuem para colocar um basta na discriminação contra a mulher.

2 comentários:

  1. Texto muito bom, pra variar.....
    A gente percebe evolução ( mesmo que pequena)na participação das mulheres no que tange ao mercado de trabalho e isso se deve a persistência e a vontade de mulheres que como Tú se preocupam com ações que determinem o fim da discriminação contra a mulher.

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  2. Adoreie ss post, Tania. Sou desenvolvedora e também feminista. Estou produzindo um artigo para o blog do evento Campus Party sobre Mulheers na TI, e foi assim que achei esse texto.
    Você conhece o Blogueiras Feministas? Dá uma olhada no google e vem participar do grupo, porque eua cho que você tem muito a nos acrescentar.

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