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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O Assobio

Dias atrás assisti um filme em que um personagem caminhava assobiando. Aquele som do assobio me fez perceber que ouvimos muito pouco assobio na atualidade. Nada a ver com a pandemia, o silêncio do assobio vem de tempos.

Pelo dicionário da língua portuguesa, o assobio significa “som agudo e prolongado que o ser humano pode produzir, com o ar expirado, através do estreitamento da passagem do ar na cavidade bucal, com a língua tomando a forma de canaleta, acompanhado de arredondamento e projeção dos lábios” e “um som agudo produzido por alguns animais (pássaros, cobras etc.); sibilo, silvo”. 

Resumindo, faz um biquinho com a boca, coloca a língua nos dentes e manda ver o som. Descobri que minha gata não gosta e se agita quando tento assobiar.

Quando criança lembro do meu pai assobiando músicas. Assobiava-se para cantar, para comemorar, para chamar alguém.  Tinham os deselegantes, pra não dizer outra coisa, que assobiavam pra chamar a atenção das mulheres.

Nós crianças adorávamos assobiar. Conseguir fazer aquele assobio poderoso com os dedos na boca era sensacional, uma vitória. Nem todos conseguiam, eu era uma das que não conseguiam, o meu assobio com os dedos saía bem sem graça. Mas, me virava muito bem assobiando músicas. E gostava...

Me parece agora que o assobio fazia parte de uma vida mais simples, num tempo longínquo em que a tecnologia que se tinha era a televisão e o rádio como sinais da modernidade.

Nem faz tanto tempo assim. A Internet entrou em nossas vidas de modo comercial em 1995 e se expandiu a partir dos anos 2000. Pensando bem, nesse ritmo alucinante de bombardeamento de informações em tempo real distribuídas em múltiplas plataformas, o assobio é coisa do século passado.

Aquele som gostoso do meu pai assobiando a música “No rancho fundo” de Ari Barroso, certamente ficará apenas na minha memória.

E termino aqui, assobiando...de saudades...



                                         Imagens disponíveis no Google

O processo eleitoral, o coronavírus e as mídias digitais

Desde o final dos anos 1980 ocorre processo eleitoral contínuo no Brasil. A cada dois anos tem-se eleições municipais ou estaduais e nacional.

Sempre muito colorida, as eleições pareciam uma festa e era mesmo, como se o país estivesse comemorando a democracia após 24 anos de governo de ditadura militar.

Os programas TV no horário eleitoral passaram a se tornar cinematográficos, como se os candidatos e candidatas fossem artistas e não pessoas que, se eleitas, deveriam servir ao público. As ruas ficavam lotadas de bandeiras, santinhos e muitas pessoas. O rádio se especializou nas músicas que acompanhavam os candidatos. Também, surgiram problemas inerente às eleições tais como: o caixa 2, as candidaturas laranjas e a venda de votos, entre outros.

Nas últimas eleições entra em cena, o componente redes sociais e a propaganda eleitoral passa a usar recursos multimídia para alcançar o eleitorado. Surgiram as famosas fake news e os famigerados gabinetes do ódio que estimularam a animosidade entre as pessoas que comungam de ideologias distintas.

No entanto, agora em 2020, o cenário mudou devido ao coronavírus. Ao atingir mais de 150 mil mortes pelo COVID-19, o Brasil está prestes a realizar as eleições municipais e escolher seus prefeitos(as) e vereadores (as) para os próximos quatro anos.

Muito utilizada nas eleições 2018, as mídias digitais entram no cenário eleitoral não mais como coadjuvante, mas como elemento fundamental para chegar aqueles eleitores e eleitoras que estão confinados em casa, no isolamento para se proteger na pandemia.

Nesse cenário, os desafios tanto para candidatos como para eleitores envolvem, também, as estratégias para apresentar as propostas pessoalmente e pelas redes digitais, sem levar consigo ou trazer a doença.

Não existe fórmula. A última vez que houve uma pandemia em proporções tão avassaladoras foi em 1918, segundo relatos históricos. Naquela época existia apenas material impresso para divulgar as propostas das candidaturas. O rádio começou a ser usado no Brasil em 1922.

Ao mesmo tempo em que a pandemia cria novas formas de trabalho e de relacionamento, as mídias digitais são aprimoradas para uso em diversos setores, inclusive no processo eleitoral. Talvez seja o momento de se começar a pensar em eleições via Internet, como existente em vários projetos de pesquisa para viabilizar que o eleitor possa votar no conforto de sua casa, sem se deslocar até o local de votação. Com essa tecnologia de votação pela Internet seria resolvido uma parte do problema que é o processo de votação.

Entretanto, o retorno ao colorido das eleições, ao espírito de disputa eleitoral de adversários e não inimigos mortais, a extinção das fake news e, principalmente, sem a sombra de uma pandemia, vai-se tornando um sonho distante. Tanto o processo eleitoral contaminou-se ao longo do tempo como a pandemia está retornando em alguns países que a haviam controlado.

Torna-se necessário, dessa forma, além da vacina contra o coronavírus, uma espécie de “vacina pela democracia” para fortalecer o espírito democrático e garantir o poder de escolha e de participação popular.  

Artigo publicado originalmente em 14/10/2020 na  Gazeta de Maringá

 

 

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Observações sob um sol de 40 graus

 Além da temperatura altíssima e das estatísticas sobre o conoravírus, outras coisas estão acontecendo em Maringá. Sob um sol escaldante, vou destacar duas delas: a campanha eleitoral e o que se vê nas ruas da cidade.

Os bastidores da campanha eleitoral estão a todo vapor. Sexta-feira começa o horário da propaganda eleitoral mas, a campanha eleitoral está na rua faz tempo. Alguns partidos colocaram seu bloco na rua bem antes da autorização da justiça eleitoral. Faz parte da vida política, afinal afirmam que quem não é visto, não é lembrado. Começam a aparecer os carros adesivados, bandeiras nas ruas, visitas ao comércio, nas indústrias e nas residências, entre tantas atividades de campanha eleitoral.

Ao mesmo tempo que se iniciou a propaganda eleitoral observa-se pela cidade que aumentou o número de vendedores ambulantes e pedintes nos semáforos, existem quarteirões inteiros sem árvores e se encontram muitas máscaras espalhadas pelo chão. Elementos estes que tem a ver com a política pela falta de campanha de prevenção ao coronavírus, pela falta de atenção e proteção ao meio ambiente  e pela falta de programa de desenvolvimento econômico para nosso povo.

Máscaras de proteção ao coronavírus jogadas nas calçadas tornaram-se corriqueiras pela cidade. É um ato incompreensível. Por que uma pessoa joga sua máscara numa calçada qualquer, ao invés de descartar no lixo? Seria intenção contaminar outras pessoas? Ou é falta de comportamento em sociedade que aparece nos detalhes como o descarte consciente de uma máscara? O fato é que elas estão ali nas calçadas, às vezes, na frente de portão de estranhos, como se brotassem do nada.

Outra situação que aumentou muito é a presença de ambulantes e pedintes nos semáforos. Sumidos nos tempos em que havia desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda e segurança alimentar, eles voltaram agora nestes tempos em que a população brasileira está à própria sorte. A situação sócio-econmica dessas pessoas é resultado de uma política de desenvolvimento econômico que privilegia a exportação e o atendimento ao mercado internacional dada por um governo negacionista e que se rende aos EUA.

Por fim, num período de desmatamento desenfreado, mudanças climáticas e aumento da temperatura, vê-se que medidas simples como o plantio de árvores, tomadas tanto por governo como pela população, estão sendo abandonadas. Ao caminhar pela cidade, encontra-se quarteirões inteiros sem árvores. Quando uma árvore é retirada, imediatamente o dono do local faz uma calçada tampando o local da árvore.

O destaque de hoje foi para uma imagem da calçada no cemitério municipal ao lado do Teatro Reviver em que foi feita um calçamento novo sem espaço para plantio de árvores ou grama. Pode ser que faça parte da revitalização da Praça ao lado, mas, certamente um pedaço de terra para plantio de árvores caberia muito bem naquele local.

Sob o sol de 40 graus, além de observar e compreender o que está ao nosso redor, vamos conhecer as propostas dos nossos candidatos e candidatas pra escolher bem. Pode até parecer que os políticos estão longe das nossas vidas, mas na política tudo que eles/elas fazem  em todas as áreas, influencia até se poderemos beber água ou não, em abundância ou pagando por ela, mesmo estando em cima de um presente da natureza que é o nosso Aquífero Guarani.


 Foto: O Fato Maringá, 2020

 

 

 

 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A burca invisível

 Hoje li numa matéria que o STF acatou uma absolvição por “defesa da honra” de um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas.

Pensei que estivesse lendo um processo de meados do século passado. Mas, não. A reportagem é de 30 de setembro de 2020, referente a decisão tomada no dia anterior.  Veja aqui: STF acata absolvição "por defesa da honra" em caso de feminicídio

Muito comum nos processos até os anos 1970, a “legitima defesa da honra” funcionava como um aval para os homens que matavam as mulheres, por conta de supostas traições ou abandono. Teve casos de celebridades que foram mortas e, por cobrança dos movimentos de mulheres, o assassino foi levado a júri e condenado.

O aumento do conservadorismo fortalece o machismo em nossa sociedade, colocando as mulheres em segundo plano, com reforço do poder dos homens, principalmente brancos, supostamente héteros e ricos. Infelizmente, muitas mulheres compactuam de posturas retrógradas que, inclusive, também as penaliza, muitas vezes com o uso das religiões.

Anos atrás em uma palestra eu disse que precisávamos tomar muito cuidado para garantir nossas conquistas pois o conservadorismo estava crescente e se bobearmos vão nos fazer usar a busca. A burca é um traje que cobre todo o corpo da mulher, inclusive deixando apenas uma abertura nos olhos.  Todas riram. Mas, está aí. Não vamos usar a burca física de panos pois não estamos em regimes que obrigam as mulheres a usa-las, ainda. Estão nos impondo aos poucos e de forma avassaladora, uma burca invisível.

Os governos, em todas as esferas desde o governo federal, começam a descontruir nossas políticas públicas com ações como:  destinar orçamento ínfimo para o combate à violência contra a mulher, não fortalecer a implementação da Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, retroceder nas discussões de gênero; salientar o papel de submissão da mulher, entre tantas ações que estamos vendo.

Nessa linha de retrocessos, vem o poder judiciário com o arremate final, ao colocar num julgamento um posicionamento arcaico que surpreende pelo retrocesso, trazendo de volta a “legitima defesa da honra”. "Honra" dada, pelo poder constituido, ao homem para justificar o assassinato  das mulheres.

Num período como o atual em que vivemos uma crise sanitária, econômica, ambiental e política sem precedentes, mais atenção deve ser prestada na garantia dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, pelas mulheres, pelo movimento negro, pelo movimento LGBT, entre tantos. 

No caso específico das mulheres, a atenção deve ser redobrada, com pouca presença de mulheres na política, os direitos das mulheres correm sérios riscos em governos conservadores.

Com bem disse Simone de Beauvoir: “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”.

Fiquemos atentas!

              Foto da vestimenta Burca. Imagem disponível no Google
 

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A discriminação nos mecanismos de busca nas redes digitais

Não é novidade pra ninguém que as respostas as nossas indagações nos mecanismos de buscas nas redes digitais são redirecionadas de acordo com nosso perfil, ou seja, os algoritmos das plataformas relacionam as nossas buscas de acordo com o que postamos na rede digital.

Entretanto, estudos mostram que a situação é muito grave e vai além de relacionar as informações. Os algoritmos de busca são elaborados por pessoas que colocam neles suas expectativas, preconceitos, o posicionamento das empresas que atuam, inclusive com influências de racismo, machismo, misoginia, entre outros.

Dessa forma, os estudos comprovam que dependendo do que você pesquisa, as imagens mostradas refletem o que acontece em nossa sociedade. Para exemplificar, se você digita riqueza, surgem imagens de pessoas brancas. Se você busca por pobreza, a maioria das imagens mostradas é de crianças e mulheres negras.

Palavras como secretário e secretária também mostram imagens diversas. A busca por secretária apresenta, em sua maioria, imagens de mulheres brancas. Por sua vez, a busca por “secretário” normalmente traz imagens de chefes de estado ou secretários municipais que são cargos de primeiro escalão nos municípios. Nesse exemplo, encontramos tanto o racismo como o sexismo na mesma busca nos mecanismos, ao apresentar mulheres brancas em uma situação e apenas homens na outra situação.

Os testes efetuados sobre as ponderações realizadas nos estudos demonstram claramente o que pensa a nossa sociedade em termos de preconceito ao apresentar resultados de imagens que fortalecem o estereótipo social dado a cada agrupamento, principalmente relacionado às mulheres e aos negros.

A diversidade não encontra eco nas redes digitais e isso não é demonstrado apenas pelos comentários preconceituosos de alguns usuários dessas redes, mas, também, pela própria mentalidade de quem está por trás dos comandos efetuados para que as redes respondam nossas perguntas, ou seja, os algoritmos desenvolvidos por pessoas. O algoritmo é um conjunto de instruções para que o computador execute o que está sendo solicitado. Mas, por trás de um algoritmo existe uma pessoa que escreve os comandos para realizar determinada tarefa.

Assim, você está sendo conduzido o tempo todo. A partir do momento que voce digitar a palavra que indica o que busca no local destinado a busca, o algoritmo te conduz a bancos de dados que contenham as informações daquela palavra. Normalmente, o algoritmo faz um relacionamento com seu perfil para detectar seus maiores interesses. Se você escolhe imagens, a plataforma oferece uma série de fotos, cartaz digital, entre outros relativos a imagem da busca.

A falsa sensação de que o mecanismo de busca nos traz tudo que existe sobre aquele tema cai por terra com a realização de diversos estudos que apontam para o controle sobre nossas informações nas redes digitais. Informações dados por meio de textos, vídeos ou imagens que refletem todo preconceito em nossa sociedade.

Não se pode fechar os olhos para a importância das redes digitais, no entanto, não se pode ignorar o mecanismo de manipulação existente nessas próprias.

Artigo publicado originalmente pela autora em: Gazeta de Maringá 

 


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Eleições 2020: por mais mulheres na política

O cenário eleitoral em Maringá trouxe para o pleito de 2020, algumas novidades. Dentre elas, a organização das mulheres com a finalidade de ocupar as cadeiras na Câmara Municipal de Maringá.

Pautado nos dados que mostram que Maringá em 73 anos de História teve apenas 13 vereadoras e que nessa legislatura, nenhuma mulher foi eleita, as mulheres se organizaram. Surge, assim, o Movimento Mais Mulheres no Poder criado com o objetivo de fortalecer as candidaturas de mulheres, dar apoio jurídico, inclusive nos casos de assédio e de lançamento de candidaturas fictícias, as famosas “candidaturas laranjas.

Lançado em 24 de junho de 2020, o movimento Mais Mulheres no Poder dá a tônica das ações ao realizar como primeiro debate, a discussão sobre o assédio moral e as ofensas contra a honra das candidatas nas eleições municipais 2020. O movimento se expandiu e conta com o apoio da OAB Mulheres, do Forum Maringaense de Mulheres e diversas entidades da sociedade civil.

O companheirismo das mulheres, agora, candidatas, levou ao pioneirismo de unificar as lutas das mulheres em torno de temas como a importância da mulher na política e propostas para a cidade. Um evento inédito realizado pelo Movimento trouxe também a presença das pré-candidatas a prefeita e a vice-prefeita para tratar sobre os problemas da cidade.

Em todas as “lives” organizadas em vários temas, as mulheres mostraram que conhecem a realidade, tem propostas concretas para resolver os problemas e estão preparadas para atuar na política.

Realizado com sucesso, o movimento estimulou a participação das mulheres nas eleições como candidatas, o que culminou em 134 mulheres candidatas a vereadoras e duas mulheres candidatas a prefeita, além de candidatas a vice-prefeitas. Segundo noticiado na imprensa, é o maior número de candidatas a vereadoras na História de Maringá.

No entanto, as mulheres foram além e apresentam duas reivindicações para o executivo municipal: destinar 4% do orçamento municipal para as políticas de combate à violência contra a mulher e a nomeação de 50% dos cargos no primeiro e segundo escalão na Prefeitura e demais órgãos municipais. Reivindicações a serem realizadas para  candidatos e candidatas ao executivo municipal.

Não temos como projetar o número de cadeiras que serão ocupadas por mulheres. Mas, certamente as mulheres deram um grande passo para fazer valer a representatividade feminina na Câmara correspondente aos 52% da população que faz parte.

Para que isso se efetive de forma mais representativa, além da organização das mulheres, duas situações precisam ser realizadas: o aumento das cadeiras na Câmara Municipal para 23, conforme legislação pelo tamanho da população de Maringá e a chegada das mulheres, que deveria ser correspondente aos seus 52% de representatividade na população.

Sabe-se que houve um retrocesso na discussão do aumento do número de cadeiras na Câmara Municipal de Maringá com pressão de algumas entidades para não aumentar pautado nos gastos da Câmara. No entanto, o orçamento destinado à Câmara independe do número de cadeiras e essa redução inibiu a participação mais ampla da sociedade, impedindo a representatividade de mais setores como mulheres, negros, portadores de deficiência, entre outros. Essa situação necessita de reavaliação pelo legislativo.

A segunda situação sobre a representatividade posiciona a presença de mulheres e homens na proporção de 50%, ou seja, metade das cadeiras no legislativo ocupada por homens e metade por mulheres. Uma proposta, nesse sentido foi reivindicada pelas centrais de trabalhadores, numa lista que funcionaria da seguinte forma: entra o primeiro mais votado e na sequência, o mais votado do outro sexo. Assim, se a mais votada for uma mulher, o próximo seria homem, depois outra mulher e, assim sucessivamente, até preencher todas as cadeiras. Essa proposta encontrou muita resistência e não foi aceita.

Alguns partidos políticos, no entanto, inovaram e definiram em suas direções 50% de mulheres e 50% de homens, incluindo também a representação da comunidade negra, movimento LGBT e juventude.

Existem várias propostas e análises, principalmente pelo fato de que as mulheres candidatas são minoria, não tem o apoio necessário e sofrem discriminação também no processo eleitoral, além de compatibilizarem a atuação na política com os afazeres domésticos. É como bem coloca uma charge com mulheres e homens numa pista de corrida. Na frente das mulheres, vários objetos indicando seus afazeres enquanto que nas pistas dos homens, nada a frente, apenas a pista de corrida.

Não há igualdade enquanto as condições objetivas de acesso não forem iguais, por isso movimentos como o Mais Mulheres no Poder são importantíssimos para fortalecer as mulheres e colocá-las onde elas quiserem, com igualdade de direitos de participação e de acesso, também, na política. Certamente, o movimento já é um sucesso por sua atuação e será coroado com a eleição de mulheres para nosso legislativo.


Artigo de Tania Tait publicado originalmente em Café com Jornalista

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Comentários no mundo digital: a instantaneidade, os robôs de software e o ódio

A participação da população sempre ocorreu nos meios de comunicação, seja no jornal impresso, rádio ou televisão. O envio de cartas aos meios de comunicação e a participação nos programas de rádio fazem parte da tradição do relacionamento destes meios com a população.

O relacionamento, no entanto, sempre foi monitorado e comandado pelo gerenciamento do meio de comunicação que possui o controle sobre as mensagens recebidas para divulga-las ou não.

Esse mecanismo chega ao jornalismo web e as redes sociais digitais da mesma forma. Tanto os meios de comunicação como os produtores de conteúdo individuais nas redes digitais podem excluir ou manter comentários. Muitas vezes, pela rapidez da comunicação, não dá tempo de excluir comentários abusivos antes que alguém os tenha lido.

Além dos meios de comunicação oficiais, o mundo virtual nos traz a figura do/a produtor/a de conteúdo, ou seja, aquela pessoa que escreve suas observações ou ideias e posta na rede social digital de sua preferência. Essa produção de conteúdo também se sujeita aos comentários que podem ser realizados.

Assim, no mundo digital são expoentes três tipos de situações inéditas que eram tímidas nas antigas formas da participação popular nos meios de comunicação: a instantaneidade, o uso de robôs de software e o destilamento de ódio pelo ódio. Essas três situações surgem, também, nas postagens da produção de conteúdo individual nas redes digitais.

A instantaneidade propicia que os comentários sejam realizados no momento que a notícia ou a postagem individual seja veiculada. As pessoas em seus comentários não se incomodam se estão ofendendo ou depreciando alguém nem a forma como estão escrevendo. Essas pessoas se sentem empoderadas pelo mundo digital pela oportunidade de estarem presentes e terem voz no momento exato da publicação, como se ela fizesse parte daquele processo de comunicação. E, realmente, ela faz parte daquele processo de comunicação, como integrante da relação emissor, mensagem e receptor.

O segundo elemento são os robôs de software, nome dado aos perfis falsos que reproduzem informações, as vezes compartilhadas até com erros de escrita ou trocas de letras. O que se vê nesses robôs é a mesma forma de reprodução das informações, sem reflexão, sem conteúdo. Os robôs apenas colocam afirmações ou criticas de forma limitada mas, de fácil compreensão para quem reproduz ou lê. Não é à toa que nas redes sociais criou-se a expressão “textão” de forma pejorativa referindo-se a textos maiores e que trazem alguma reflexão. A negação do texto mais completo que leva a reflexão faz parte de uma estratégia de emburrecimento e de massificação de ideias que sustentem a versão oficial, seja do meio de comunicação, da plataforma digital ou de governos.

O ódio pelo ódio, como parte da terceira situação encontrada nas redes digitais torna-se, também, uma estratégia para a não reflexão sobre a situação em que se está noticiando ou comentando. No destilamento do ódio, as pessoas exalam o que tem de mais ruim em seu interior, sem pudor algum. Ao olhar mais a fundo, percebe-se que esse ódio também faz parte de uma estratégia de poder na qual não se pode analisar determinada situação sem relacionar com fatos ou personalidades que nada tem a ver com aquela situação. O ódio, portanto, serve para distrair as pessoas dos fatos reais.

Muitas pessoas não gostam de ler os comentários pois se sentem mal. No entanto, os comentários nos fazem conhecer a realidade, seja feito por robô ou seres humanos, a verdade da perversidade humana se desvenda aos nossos olhos. Mesmo porque, por trás de um robô de software existe um ser humano que faz parte de um projeto de poder para exalar o ódio e “cegar” as pessoas para uma avaliação mais concreta dos fatos.

Ao expor suas ideias nas redes sociais, a pessoa está exposta também a uma série de comentários que são desanimadores e, realmente, esse é o intuito: minar as pessoas que pensam de forma diferente.

No caso dos meios de comunicação, a postagens de notícias também geram comentários ofensivos. Os comentários ofendem o meio de comunicação de todas as formas possíveis, no entanto, indaga-se se essas pessoas são mesmo leitoras ou será que agrupamentos fazem combinação para atacar? Eis aí mais um ponto a ser tratado sobre as redes sociais digitais.

Certamente, cientistas das áreas de humanas estão se debruçando sobre as redes sociais digitais e sua influência em nossa sociedade para medir o alcance da instantaneidade, dos robôs de software e do destilamento do ódio, entre outros elementos que marcam as redes.

Cabe a nós, entretanto, conhecer bem as tecnologias fazendo uso delas da melhor forma possível, com a garantia da liberdade de expressão combinada com o respeito às diferenças, em todos os campos de atuação.

 Artigo da autora Tania Tait publicado originalmente em 22/09/2020 na  Gazeta de Maringá