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domingo, 22 de setembro de 2019

Sem inspiração


Depois de anos a fio com o blog no qual escrevo minhas impressões, desde 2010, estou sem inspiração. Uma vez minha filha perguntou de onde vem a inspiração pra eu escrever os textos. Respondi que pensava no tema, escrevia mentalmente e ia digitar no computador. As idéias surgiam, as organizava e as formatava. 
Mas, não tenho conseguido ter sequer essa inspiração pra digitar as minhas observações.Talvez seja o bombardeio de notícias tristes como a  morte da menina Ágata e demais jovens e crianças no Rio de Janeiro por disparos policiais, talvez seja a política da destruição e morte do governo federal, talvez o aumento de feminicídio, o desmonte de nossas políticas públicas sociais, a morte de pessoas por suicídio, a queima da Amazônia, entre tantas coisas.
No entanto, o que me chama muito a atenção nessas notícias são alguns comentários desumanos e cruéis realizados pelas pessoas, mostrando uma total ignorância e uma maldade sem precedentes. Por exemplo, na notícia sobre o INCRA entrar na justiça para acabar com a maior escola do MST que faz cursos para agricultores e funciona desde 1999 no Nordeste do Brasil, as pessoas não comentam sobre a importância da agricultura familiar ou sobre os prêmios ganhos. Alguns comentários giram em torno de “Parabéns ao INCRA”, “Curso de invadir terras”, “UOL vai se dar mal”, entre outras pérolas que mostram total desconhecimento da realidade e do contexto em que se insere a agricultura familiar que, inclusive, pode ter alimentado essas pessoas e suas famílias.
Outro caso é o das crianças assassinadas no Rio de Janeiro pelas famosas e famigeradas “balas perdidas”, cujos comentários “parabenizam o governador pela postura firme em relação ao tráfico” numa clara demonstração de que a vida das crianças não importa pra essas pessoas.  Essas mesmas pessoas nem se dão ao trabalho de procurar saber em que exatamente a política policial do Estado está surtindo efeito e quanto de drogas foram apreendidas e quantos traficantes foram presos decorreram dessa política e se foram presos em cima da morte de inocentes.
Os exemplos são muitos e nem preciso reproduzi-los aqui. Não me parece que a humanidade tenha se tornado pior. Penso que a maldade sempre esteve aí, estava esperando pra se manifestar publicamente e encontrou nas redes sociais e nos governos, uma forma de se expandir e atingir mais pessoas. Antes vinculada ao círculo das festas familiares, locais de trabalho, círculos de amigos ou churrascos, a maldade, agora, se espalha, como o vento atingindo todos os cantos do mundo.  Essa maldade que nos surpreende por seu preconceito, difamação, misoginia, racismo e tantas outras formas de agressão e morte.
Nos alenta saber que a bondade continua firme por aí, nos pequenos e grandes gestos, que as pessoas não desistiram e lutam por um mundo melhor, mesmo diante da maldade.
Nada como um Chico Buarque para alentar a vida e mostrar a união entre os enfrentamentos ao sabor da beleza de uma matinê das tardes de domingo: “eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões, guardava meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês”.

domingo, 1 de setembro de 2019

Integração de ações para sanar as dificuldades na aplicação da Lei Maria da Penha

Texto escrito por Tania Tait e publicado em http://mariadoingamulher.blogspot.com/2019/09/integracao-de-acoes-para-sanar-as.html

A Roda de Conversa Dificuldades na aplicação da Lei Maria da Penha realizada pela Ong Maria do Ingá Direitos da Mulher, na data de 28 de agosto, trouxe reflexões relevantes para a atuação no combate a violência contra a mulher.
O evento contou com as presenças da Delegada da Mulher Dra Luana Louzada Pereira Lopes, da Secretária da Mulher Claudia Palomares, da Promotora Dra. Carla Cristina Castner Martins, do Juiz da 5 Vara da violência Doméstica Dr. Jaime Souza Pinto Sampaio e da Profa Dra Crishna Correa (Numape-UEM) com mediação da advogada Ana Carla Tait Romancini.
A combinação aumento no registro de casos de violência combinada com a maior busca nas delegacias da Mulher leva a indagação se a violência aumentou ou se as mulheres se sentem mais fortalecidas para denunciar o agressor e as agressões sofridas. Para as autoridades envolvidas na rede de enfrentamento a violência, é uma combinação das duas situações, a violência aumentou e ao mesmo tempo as mulheres se sentem mais seguras para denunciar as agressões sofridas.
Segundo o Juiz Dr Jaime Sampaio, de cada 10 mulheres, 4 sofreram algum tipo de violência, a qual começa com violência verbal e vai aumentando até seu final trágico, o feminicídio. Para ele, é necessário que as mulheres busquem ajuda para que o Estado se movimente pois o Estado está preparado para atender as mulheres. Segundo ele, a violência não é apenas cíclica, mas também espiral pois vai aumentando a cada ação do agressor, colocando a mulher em perigo. Para o Juiz, também, houve aumento das denúncias mas, também, o aumento da violência.
A promotora Dra Carla destacou a violência psicológica que é invisível e sutil. Dentro de um relacionamento tóxico e abusivo, segundo a promotora, muitas vezes a mulher não se percebe como vítima de violência e ocorre a estagnação pelo medo e tensão tornando a mulher à mercê do agressor. Tanto o Juiz como a promotora informam que ocorre poucos casos de registro de violência psicológica. Mesmo estando caracterizado como crime e previsto na Lei Maria da Penha, em seu artigo 7, as mulheres raramente denunciar esse tipo de violência.
Para a Delegada da Mulher, Dra Luana Louzada a violência doméstica é diferente de outros crimes pois abrange a família, os filhos, pais e mães e os bens. A violência ocorre entre pessoas que se conhecem, pessoas que tem uma história de vida. Por isso é tão difícil a vítima procurar ajuda e ir a uma Delegacia da Mulher. A Delegada informa que tanto os registros de ocorrência como as medidas protetivas dobraram de valor de 2017 para 2019. Até julho de 2019, foram mais de 1500 boletins de ocorrência, praticamente o mesmo número de 2017 inteiro. A expectativa é que, infelizmente, esse número dobre até o final do ano de 2019. Para ela, a vítima não se consegue perceber como vítima pois existem muitas formas de controle social na vida das mulheres.
A Secretária de Políticas para Mulheres de Maringá, Claudia Palomares considera que falta equipamento político e que precisamos nos unir cada vez mais pois a violência atinge as mulheres em todas as classes sociais, independe da cor, da raça e de anos de estudo. As mulheres não se sentem protegidas mesmo com a rede de atendimento funcionando. Em Maringá tem uma rede de atendimento com o CRAMM – Centro de Referência as Mulheres em situação de violência, a Caso Abrigo para abrigar mulheres com risco de morte e a Patrulha Maria da Penha. A Secretaria busca promover, também, a autoestima das mulheres com projetos como o Projeto Florirá com cursos para geração de renda.
A Professora Dra Crishna Correa, do NUMAPE-UEM destacou a existência do machismo e do patriarcalismo como forma de incentivar a violência ao considerar o corpo da mulher à disposição dos homens. Portanto, em sua opinião é preciso educar as pessoas, resolver o problema do machismo estrutural, falar de gênero e do papel do machismo nas escolas. De acordo com ela, de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019, 1 milhão e seiscentas mil mulheres sofreram violência, 72% destas conheciam o agressor e 42% sofreram violência doméstica e familiar. A professora afirma que há uma omissão sistemática por política pública e se for observar o orçamento, são gastos 0,25 centavos por mulher em situação de violência ou apenas R$ 4.000 (quatro mil reais) por município se for dividir entre os municípios brasileiros. 11% dos municípios tem Delegacia da Mulher, funcionando em horário comercial e fechado em finais de semana e feriados. Ela destaca, também, que as mulheres lésbicas, portadoras de deficiência  e negras são consideradas mais vulneráveis pois o investimento do Estado é muito aquém do necessário.
Para a mediadora do debate, a advogada Ana Carla Tait Romancini, um evento como a Roda de Conversa ao trazer as autoridades envolvidas com a aplicação da Lei Maria da Penha, contribui para maior integração dos serviços e busca na solução dos problemas detectados em cada ponta da rede de atendimento às mulheres em situação de violência. Segundo ela, pelo trabalho que realizou em 2017, havia dificuldades para atendimento as medidas protetivas as quais foram sanadas com punição mais severa ao agressor que as descumpria.
A partir das explanações das autoridades e das indagações e comentários do público presente, podem ser destacados algumas ações que deveriam ser realizadas:
·       a necessidade de discutir o machismo estrutural, o patriarcalismo e o gênero nas escolas, para que as crianças e jovens aprendam a não perpetuarem a situação de violência;
·       a necessidade de uma atuação conjunta e multidisciplinar, envolvendo várias áreas como psicológica, assistência social, direito, entre outras, em parcerias com universidades públicas e privadas;
·       a criação de projetos que visem a modificação do comportamento dos agressores;
·       fortalecer os projetos que promovam a autoestima das mulheres e seu empoderamento para denunciar casos de violência;
·       fortalecer a integração entre os órgãos de atendimentos às mulheres em situação de violência;
·       divulgar informações sobre a rede de atendimento às mulheres em situação de violência;
·       informar as mulheres sobre os tipos de violência contemplados na Lei Maria da Penha.
Ao final, o evento foi considerado de extrema relevância para as pessoas presentes e solicitado que ocorram mais ações para informar e conscientizar as mulheres, fortalecendo o combate à violência contra a mulher.


sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Na prática: a Lei Maria da Penha e o machismo

A Lei Maria da Penha teve dois grandes méritos: retirar a violência do âmbito doméstico e categorizar os vários tipos de violência.
Ao retirar a violência do âmbito doméstico, a Lei mostrou que a violência antes velada entre quatro paredes, mas conhecida por todos ao redor, passa a ser responsabilidade do setor público com necessidade de uma rede de atendimento que realmente funcione para que as mulheres parem de ser agredidas e não sejam mortas.
Ao categorizar os tipos de violência, além da física, em emocional ou psicológica, moral, sexual e patrimonial, a Lei possibilita que as mulheres possam prestar queixas por todo e qualquer tipo de violência que sofram, inibindo a violência e promovendo a punição do agressor.
No entanto, mesmo sendo uma das melhores legislações de combate à violência do mundo e tendo salvado muitas mulheres, a Lei precisa ainda ser incorporada na sociedade brasileira de forma a considerar o homem agressor como criminoso e não apenas como um covarde qualquer.
Nas atividades realizadas pela Associação Maria do Ingá Direitos da Mulher, carinhosamente chamada de ONG Maria do Ingá, depara-se com mulheres que sofrem ou sofreram em seu cotidiano, por anos, de violência de todos os tipos. Libertas e se sentindo seguras, essas mulheres relatam emocionadas as experiências vividas e como isso as impediu de terem uma vida plena, digna e feliz. Na vida real, as mulheres ainda se sentem sozinhas e com medo para tomar atitudes em sua própria defesa.
Fatores complicadores na vida dessas mulheres envolvem as famílias e as religiões. Muitas famílias por não querer se intrometer na vida do casal, assistem passivamente a toda sorte de agressões, torcendo para que um dia tudo se resolva.
As religiões, em sua maioria, pregam a obediência e submissão das mulheres e pedem oração para que o homem deixe de agir de forma violenta. As orações são sempre bem vindas, no entanto, não se pode permitir que uma mulher seja espancada, humilhada e caluniada sem que se tomem medidas legais e protetivas.
Nessa questão, os líderes religiosos tem um papel importante pois cuidam da espiritualidade de seus fiéis e podem contribuir com a rede de atendimento as mulheres em situação de violência e proporcionar força para que as mulheres resolvam a situação para seu bem e de crianças que sofrem, também, com a violência doméstica.
Na prática não é fácil. Os relatos são tristes, as vidas das mulheres são marcadas e essas marcas deixam sequelas difíceis de serem curadas.
Na prática, as mulheres em situação de violência são impedidas de viver em plenitude.
Na prática, o machismo está impregnado em nossa sociedade e possui aliados tanto declarados como silenciosos que impactam no combate à violência contra a mulher. Portanto, para ser efetiva, a Lei Maria da Penha necessita, também, da parceria no combate ao machismo que se sente dono da alma e do corpo da mulher e que faz com que o agressor se sinta à vontade para cometer a violência.
A Lei e a mudança cultural contribuirão para o combate sistemático à violência contra a mulher e então, nesse tempo, nossas mulheres poderão fazer relatos de suas vida em plenitude.